® Piauí ed. 185 [Riva] (2022-02)

(EriveltonMoraes) #1

Montevidéu, 4 de outubro de 1972. Cristina Peri Rossi enche uma mala com


sua máquina de escrever Remington, cem folhas de papel em branco e um volume de
cada um dos seis livros que escreveu até então, incluindo os poemas datilografados de
um inédito. São cinco da manhã quando ela e sua companheira fecham a porta do
apartamento em que moram e entram no carro do poeta Hugo Achugar, para quem
haviam ligado uma hora antes. Peri Rossi não deu maiores explicações e Achugar não
esperava nenhuma. Sabia que os telefones de ambos estavam grampeados, e que mais
cedo ou mais tarde ele e a esposa também precisariam sair escondidos de casa – e do
país – sem saber quando poderiam voltar. Seis horas depois, o transatlântico italiano
Giulio Cesare flutuava na direção oposta do porto da capital uruguaia e Peri Rossi
fazia, aos 30 anos, a primeira viagem de sua vida. Como bagagem/uma mala cheia de
papéis/e de angústia/os papéis/para escrever/a angústia/para viver com ela/companheira amiga,
como diz o poema A Viagem, de seu livro Estado de Exílio.


Além de nunca ter saído antes de Montevidéu, a viagem do exílio também foi a
primeira vez em que Peri Rossi subiu num barco – talvez a única forma de escapar do
naufrágio que sofria seu país. Desde 1967, com a chegada de Jorge Pacheco Areco à
Presidência pelo Partido Colorado e a crescente influência das Forças Armadas no
governo, a situação política do Uruguai estava cada vez mais crítica. Em maio de 1968,
acompanhando o movimento mundial de revolta estudantil e proletária cujo estopim
foi em Paris, uma série de manifestações culminou no decreto de estado de sítio por
Pacheco Areco em junho. Enquanto isso, o grupo guerrilheiro tupamaros – que tinha
como um dos líderes o hoje ex-presidente José “Pepe” Mujica –, em atuação desde a
primeira metade da década, ganhava força e realizava diversos ataques pelo país. Peri
Rossi, como uma parcela considerável da população uruguaia, simpatizava com o
grupo, embora não atuasse na guerrilha. Ainda uma democracia em 1971, o país se
preparava para a eleição presidencial, e a esquerda não armada se uniu na grande
coalizão chamada de Frente Ampla – na qual Peri Rossi militava, e pela qual Mujica
seria eleito em 2009. Era uma tentativa de driblar o sistema bipartidário de até então,
em que a disputa era tradicionalmente apenas entre o Partido Colorado e o Partido
Nacional. Em meio a acusações de fraude, venceu o candidato do Partido Colorado,
Juan María Bordaberry, e a repressão por parte do Estado foi aumentando até culminar
na dissolução do Legislativo em 1973. Ao contrário dos vizinhos Brasil, Chile e
Argentina, não houve uma tomada de poder à força por parte dos militares, e
tampouco uma figura central como foi o general chileno Augusto Pinochet.

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