de Peri Rossi. A epígrafe de Indicios Pánicos, de 1970, é uma fala de Mussolini, cuja frase
final, assustadoramente contemporânea, diz: “Em certo sentido, pode-se dizer que o
policial precedeu, na história, o professor.”
Em 1971, Peri Rossi publicou Evohé, seu primeiro livro de poesia e o último antes
do exílio, altamente erótico e lidando explicitamente com relações entre
mulheres. Evohé foi um escândalo em Montevidéu, tanto entre a direita quanto a
esquerda; também foi um marco importantíssimo em sua vida e obra. Embora a relação
entre corpo e palavra, linguagem e erotismo já estivesse presente nos trabalhos
anteriores, aqui toma uma forma que Peri Rossi segue por toda a vida. Nomeado em
referência aos gritos de êxtase das sacerdotisas do deus Baco, Evohé é uma literatura
movida pelo desejo, em todas as suas facetas: a angústia de ser um corpo só no mundo,
o êxtase dos encontros, a impossibilidade de fundir-se com o ser amado, ou com a
palavra. Nele, como em toda sua obra, linguagem e o Outro se confundem, numa
disputa de gozo e sofrimento extremamente angustiante e ainda assim necessária, uma
experiência de comunhão e ruptura com o que há de externo ao
sujeito: Silêncio./Quando ela abre suas pernas/que todo mundo se cale./Que ninguém
murmure/nem me venha/com contos nem poesias/nem histórias de catástrofes/que não há
enxame melhor/que seus pelos/nem abertura maior que a de suas pernas/nem abóbada que eu
vislumbre com mais respeito/nem selva tão fragrante quanto seu púbis/nem torres e catedrais
mais seguras./Orais: ela abriu suas pernas./Todo mundo ajoelhado.
Se Peri Rossi deixou o Uruguai como uma escritora de renome e fazendo parte ativa da
vida intelectual de Montevidéu, ao desembarcar em Barcelona era uma desconhecida.
“Tenho que começar tudo de novo”, concluiu, e para ela isso queria dizer ganhar
prêmios. Assim o fez, acumulando dezenove ao longo de 59 anos de carreira. Mas até
hoje parece sentir o peso do exílio, e um descompasso com o mundo à sua volta que vai
além de uma questão territorial e se torna mesmo ontológica. Em carta a Cortázar de 17
de outubro de 1983, narra um sonho em que estava no hospital, prestes a ser operada, e
o médico informa o diagnóstico: “Carece de capacidade de identificar-se.” E, ao mesmo
tempo, o movimento de exilar-se, de não se identificar, se torna indispensável para o
trabalho do escritor. Essa é uma das lições que Miguel de Cervantes – o autor, não o
prêmio – parece nos dar em Dom Quixote de la Mancha, com o fidalgo que leu livros de
cavalaria até que “se lhe secou o cérebro, de maneira que chegou a perder o juízo”. O
“eu”, na literatura, são muitos, e tanto ler quanto escrever implicam sair um pouco de
si, pelo menos por um tempo. Peri Rossi, por sua vez, também nos deixa muitas lições,