® Piauí ed. 185 [Riva] (2022-02)

(EriveltonMoraes) #1

Cunha se recusou a passar pela avaliação médica. Como o resultado do processo estava
demorando, ela resolveu enviar à Organização dos Estados Americanos (OEA) um
pedido de morte assistida, caso seu gênero e identidade não fossem reconhecidos. Mas,
em 2016, o juiz Celso Lourenço Morgado, da 6ª Vara Cível de São Bernardo do Campo,
deferiu o pedido de mudança de gênero e nome. Na sentença, ele afirmou: “A
transexualidade não é uma condição patológica, e a identidade de gênero é
autodefinida pela pessoa.”


Foi o primeiro caso no Brasil de retificação de documento sem a necessidade de laudo
médico, o que criou um precedente jurídico. “A morte é a não existência, a ausência de
vida. Não ter acesso ao direito de ter documento era uma forma de me apagar”, diz
Cunha, que se graduou em publicidade e trabalha como funcionária pública da
Prefeitura de São Bernardo do Campo.


A conquista transformou Cunha em um símbolo da luta dos transexuais contra o
processo de invisibilização que os atinge. Desde então, ela adotou como lemas duas
frases que se inter-relacionam. Uma é da escritora Conceição Evaristo e diz: “Eles
combinaram de nos matar, nós combinamos de não morrer.” Outra surgiu do rolê nas
favelas: “Corre com nós ou corre de nós.”


A Casa Neon Cunha vai abrir as portas no próximo mês de março. “Até 2020, havia
treze mulheres trans morando nas ruas de São Bernardo. Hoje, são trinta”, diz Paulo
Araújo, que vai abrigar todas elas na sede e agora está em busca de doações para
mobiliar e prover o local, onde será oferecido aconselhamento e qualificação.


No segundo semestre de 2021, uma equipe contratada pela Prefeitura de São


Paulo saiu a campo para fazer um novo censo da população em situação de rua. O
resultado saiu no final de janeiro: são 31 884 pessoas – 31% a mais que em 2019, quando
foi feita a pesquisa anterior. “Houve um aumento do número de famílias morando na
rua e também da população trans”, afirma Carlos Bezerra Júnior, secretário municipal
de Assistência e Desenvolvimento Social. O novo censo constatou que há 171 mulheres
trans, 72 homens trans e 50 travestis em situação de rua na maior cidade do país.


“Eu nunca atendi tantas mulheres trans e travestis como nos últimos dois anos”, conta
o padre Júlio Lancellotti, que comanda uma enorme rede de apoio às pessoas em

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