aquela recordação, mais que de corpos, de maiôs amarelos e vermelhos.
Às vezes um braço da corrente, rasa, alargava-se inundando todo o leito; e
como as margens eram altas e inacessíveis, nós o atravessávamos com os pés na
água. Usávamos sapatos leves, de pano e borracha, e a água escorria por dentro;
e quando voltávamos para o seco os pés patinhavam ali dentro a cada passo,
num chape-chape.
Escurecia. O pedregal branco animava-se de pontos pretos, saltitantes: os
girinos. Suas patas deviam ter acabado de nascer, pequenos e rabudos como
eram, e ainda não pareciam muito convencidos daquela nova força que, vez por
outra, os atirava no ar. Em cada pedra havia um, mas logo ele pulava e outro
pegava o seu lugar. E como os pulos eram simultâneos e como prosseguindo pelo
grande rio nada mais se via além do pulular dessa multidão anfíbia, avançando
como um exército sem limites, formava-se dentro de mim uma sensação de
desespero, como se aquela sinfonia em preto e branco, aquele desenho animado
triste como uma gravura chinesa, traduzisse assustadoramente a ideia de
infinito.
Paramos num espelho de água que prometia espaço suficiente para
imergirmos todo o corpo; talvez até para darmos umas braçadas. Mergulhei
descalço e despido: era uma água vegetal, apodrecida por um lento esfarelar de
plantas fluviais. O fundo era viscoso e lamacento, e levantava, ao ser tocado,
nuvens turvas até a superfície.
Mas era água; e era bela.
O companheiro entrou de sapatos e meias na água, deixando na margem
apenas os óculos. Depois, sem compreender muito bem o aspecto religioso da
cerimônia, começou a se ensaboar.
Iniciamos assim essa festa alegre que é se lavar, quando isso é raro e difícil.
O laguinho que nos continha apenas transbordava de espuma e tremia com os
bramidos, tal qual num banho de elefantes.
Nas praias do rio havia salgueiros e arbustos e casas com rodas de moinho; e
tamanha era a irrealidade deles, em comparação com a concretude da água e
das pedras, que o cinzento da noite, ao se infiltrar, dava-lhes o aspecto de uma
tapeçaria desbotada.
Agora, o companheiro lavava os pés de um jeito estranho: sem se descalçar e
ensaboando sapatos e meias.
Depois nos enxugamos e nos vestimos. Ao pegar uma de minhas meias, dela
pulou um girino.
Sobre os óculos do companheiro, deixados na ribanceira, devia ter caído
muita água. E — assim que os colocou — tão alegre devia lhe parecer a
confusão daquele mundo, colorido pelos últimos clarões do crepúsculo, visto
através de duas lentes molhadas, que ele começou a rir, a rir, desbragadamente,
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1