O COLAR DA RAINHA
PIETR O E TOMMASO VIVIAM BR IG AND O.
Ao amanhecer, o chiado das suas velhas bicicletas e as suas vozes —
cavernosa e nasal a de Pietro, rouca e às vezes afônica a de Tommaso — eram
os únicos sons pelas ruas vazias. Iam juntos para a fábrica onde eram operários.
Por trás das ripas das persianas ainda se sentia o sono e a escuridão pesando nos
quartos. As campainhas baixinhas dos despertadores iniciavam de casa em casa
um diálogo escasso, que na periferia se adensava, para finalmente transformar-
se, à medida que a cidade ia se tornando campo, num diálogo de galos.
Esse primeiro despertar cotidiano dos sons passava despercebido aos dois
operários, ocupados como estavam em discutir em voz alta: porque ambos
eram surdos; Pietro, já havia alguns anos, meio ruim dos tímpanos; Tommaso,
com um assobio contínuo num ouvido, desde a Primeira Guerra Mundial.
— Pois é, assim são as coisas, meu caro — Pietro, homenzarrão na faixa dos
sessenta, equilibrado em cima de seu trêmulo veículo, trovejava atrás de
Tommaso, mais velho que ele cinco anos, baixo e já um pouco curvado. — A
gente não tem mais confiança, meu caro. Eu também sei que, nos dias de hoje,
fazer filhos significa fazer famintos, mas amanhã você não sabe, não sabe de
que lado vai estar a balança, amanhã fazer filhos pode significar a abundância. É
exatamente assim que eu vejo as coisas.
Tommaso, sem levantar os olhos para o interlocutor, arregalava os globos
amarelos e dava gritos agudos que subitamente ficavam afônicos: — Siiim!
Siiim! É preciso dizer isso para o operário que constitui família: você vai pôr no
mundo indivíduos que vão aumentar a miséria e o desemprego! E mais nada!
Isso ele tem de saber! Sem a menor dúvida! Eu digo e repito!
A discussão daquela manhã versava sobre um problema geral: se o aumento
da população favorecia ou prejudicava os trabalhadores. Pietro era otimista, e
Tommaso, pessimista. No fundo dessa divergência de opiniões estava o
planejado casamento do filho de Pietro com a filha de Tommaso. Pietro era
favorável, e Tommaso era contra.
— E, além do mais, por enquanto eles ainda não tiveram filhos! — Pietro deu
um pulo de repente: — E não vão ter tão cedo! Era só o que faltava! Está se
discutindo o noivado, não os filhos!
Tommaso berrou: — Quando se casarem, vão ter!
— No campo! Onde você nasceu! — retrucou-lhe Pietro. Por pouco não
engatou a roda num trilho de bonde. Xingou.
— Cooomo...? — disse Tommaso, que pedalava na frente.