um barulho de alguém comendo perto dele. Ergueu os olhos e viu na sua frente
um rosto a mais, que antes não tinha visto: enrugado, cianótico, com dois globos
oculares amarelos e venosos esbugalhados, irado, insensível, e que se mexia
mastigando sem parar com um ruído furioso de maxilares. E ficou tão
perturbado que novamente baixou os olhos para seus números e não ousou mais
levantá-los, e não entendia por que aquele homem tinha ido comer ali na sua
presença, e tentava tirá-lo da cabeça enquanto se preparava para contra-atacar
com energia e astúcia o discurso de Fantino, mas já percebendo que boa parte
de sua segurança tinha se esvanecido.
Toda noite, antes de se deitar, a senhora Umberta lambuzava o rosto com
creme de pepino, vitaminado. Ter sido posta na cama naquela manhã, não se
lembrava bem como, depois de uma noite em claro, sem creme de pepino, sem
massagens, sem ginástica contra as dobras do ventre, em suma, sem todo o
ritual estético de costume, causava-lhe necessariamente um sono irrequieto. Ao
fato de ter negligenciado tais operações, e não à quantidade de álcool ingerido,
ela atribuía a agitação, a dor de cabeça, a boca amarga que perturbaram suas
poucas horas de sono. Só o costume de dormir deitada de costas, por
observância a uma regra de beleza que se tornara uma postura diante da vida,
fazia com que a agitação de seu repouso se manifestasse em formas
harmoniosas e, de certo modo, sempre atraentes — ela tinha total consciência
— para um observador imaginário, tal como apareciam atrás das contorcidas
volutas do lençol.
Durante esse despertar e essa sensação de desconforto, e também de coisas
esquecidas, invadiu-a um sobressalto difuso. Quer dizer que voltara para casa,
jogara a capa de raposa em cima de uma poltrona, tirara o vestido a rigor... mas
entre as lacunas da memória havia esta, que lhe aborrecia: o colar, aquele colar
que ela devia considerar mais precioso que o próprio pescoço macio e liso, de
fato não se lembrava de tê-lo tirado, e menos ainda de tê-lo guardado na gaveta
secreta da penteadeira.
Levantou-se da cama, num voo de lençóis, saias de organza e cabelos
despenteados, atravessou o quarto, deu uma olhada no gavetão, no toucador, em
todos os lugares onde poderia ter deixado o colar, olhou-se rapidamente no
espelho com uma careta de desaprovação pelo aspecto abatido, abriu duas
gavetas, olhou-se de novo no espelho esperando desmentir a primeira impressão,
entrou no banheiro e procurou em cima das bancadas, vestiu uma liseuse, olhou-
se como estava no espelho da pia e depois no da penteadeira, abriu a gaveta
secreta, fechou-a, penteou os cabelos, primeiro transtornada, depois com certa
condescendência. Perdera o colar de pérolas de quatro voltas. Foi ao telefone.
— Passe-me o arquiteto... Enrico, é, já estou de pé... Sim, estou bem, mas
olhe, o colar, o colar de pérolas... Eu estava com ele quando saímos de lá, tenho
certeza de que estava... E não o encontro mais... Não sei... Claro que procurei
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1