O que você não sabe é o verdadeiro objetivo do nosso trabalho. É para o fim
do mundo, Müller. Trabalhamos em vista de um fim próximo da vida na Terra.
É para que tudo não tenha sido inútil, para transmitir tudo o que sabemos a
outros que não sabemos quem são nem o que sabem.
Posso oferecer-lhe um charuto? A previsão de que a Terra não continuará
habitável por mais muito tempo — ao menos para o gênero humano — não
chega realmente a nos impressionar. Todos já sabíamos que o Sol chegou à
metade de sua vida: na melhor das hipóteses, daqui a quatro ou cinco bilhões de
anos tudo estaria terminado. Em suma, daqui a algum tempo o problema se
colocaria de um jeito ou de outro; a novidade é que a data de expiração desse
prazo está muito mais perto, e que, em resumo, não temos tempo a perder. A
extinção da nossa espécie é, sem dúvida, uma triste perspectiva, mas chorar por
isso não passa de um consolo bem inútil, seria como recriminar a morte de um
indivíduo. (É sempre no desaparecimento de minha Angela que penso, desculpe
a minha comoção.) Em milhões de planetas desconhecidos certamente vivem
criaturas semelhantes a nós; pouco importa se forem os descendentes deles, e
não os nossos, que nos recordarão e garantirão nossa continuidade. O
importante é comunicar a eles a nossa memória, a memória geral estabelecida
pela organização da qual você, Müller, está para ser nomeado diretor.
Não se apavore; o campo de ação do seu trabalho continuará a ser o que foi
até agora. Para comunicar nossa memória aos outros planetas, o sistema é
estudado por outro departamento da organização; nós já temos o nosso trabalho,
e tampouco nos diz respeito se serão escolhidos como sendo mais apropriados os
meios óticos ou os acústicos. Pode inclusive acontecer que não se trate de
transmitir as mensagens, mas de depositá-las em lugar seguro, sob a crosta
terrestre: os destroços do nosso planeta errante pelo espaço poderiam um dia
ser alcançados e explorados por arqueólogos extragalácticos. Nem o código ou
os códigos que serão selecionados é problema nosso: há também um
departamento que estuda só isso, a forma de tornar inteligível o nosso estoque
de informações, seja qual for o sistema linguístico que os outros utilizarem. Para
você, agora que sabe disso, nada mudou, garanto, a não ser a responsabilidade
que o espera. É sobre isso que gostaria de conversar um pouco.
O que será o gênero humano no momento de sua extinção? Uma certa
quantidade de informações sobre si mesmo e sobre o mundo, uma quantidade
finita, dado que não poderá mais se renovar e aumentar. Durante algum tempo
o universo teve uma oportunidade especial de colher e elaborar informações; e
de criá-las, de extrair informações dali onde não haveria nada a informar sobre
nada: isso foi a vida na Terra, e sobretudo o gênero humano, sua memória, suas
invenções para comunicar e recordar. A nossa organização garante que essa
massa de informações não se disperse, independentemente do fato de ser ou não
recebida por outros. Caberá ao diretor fazer com que, escrupulosamente, nada
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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