88 NATIONAL GEOGRAPHIC
Quão forte é a motivação para partir? Para
abandonar o que se ama? Para caminhar rumo ao
desconhecido, com todos os bens enfiados numa
bolsa? É mais forte do que o medo de morrer.
No triângulo de Afar, tropecei em sete cadáve-
res por enterrar. Eram mulheres e homens amon-
toados. Jaziam de rosto virado para o céu, mumi-
ficados sobre um campo de lava escura. Fazia um
calor insuportável. Os pequenos cães selvagens
do deserto, os chacais, tinham arrancado as mãos
e os pés destes viajantes. O meu colega de cami-
nhada, Houssain Mohamed Houssain, abanou a
cabeça com espanto e repulsa. Ele pertencia ao
grupo étnico dos afar. Era descendente de pasto-
res de camelos, os antigos reis do deserto. O seu
povo chama às recentes vagas de transeuntes
hahai (“gente do vento”), fantasmas que pairam
sobre a terra. Tirou uma fotografia.
“Se eu lhes mostrar isto, responderão: ‘Oh, isso
nunca me aconteceria’!”, disse, zangado.
Um dos desafortunados migrantes aconchega-
ra-se sob uma saliência rochosa. Estava segura-
mente desesperado por uma sombra. Pousara os
sapatos junto do corpo nu, com as meias cuidado-
samente enroladas dentro de cada um. Ele sabia:
os seus dias de caminhada tinham chegado ao fim.
ANDAR A PÉ PELOS CONTINENTES ensina-nos a
olhar para baixo. Passamos a valorizar os nossos
pés. Começamos a interessar-nos por calçado.
A escolha do calçado (ou a falta dele) fala-nos
sobre a geografia pessoal: riqueza ou pobreza,
idade, tipo de trabalho, educação, género e até
nos diz se alguém é urbano ou rural. Entre as le-
giões de migrantes do mundo, está instituída uma
certa taxinomia podal. Os migrantes económicos
parecem favorecer o sapato dos pobres do século
XXI: os baratos, polivalentes e unissexo ténis fa-
bricados na China. Os refugiados de guerra que
fogem à violência, em contraste, são obrigados
a percorrer os seus caminhos desoladores com
havaianas de borracha, mocassins de cerimónia,
sandálias poeirentas, sapatos de salto alto, botas
improvisadas com farrapos, etc. Fogem de cida-
des incendiadas, abandonam aldeias e quintas.
ÍNDIA 2019
Do campo para a cidade
Cerca de 2.800 operárias
têxteis são funcionárias
da Indian Designs Exports
Private Limited, em
Bangalore. Mais de 70%
destas trabalhadoras
provêm de comunidades
rurais, do Norte da Índia,
de onde partiram em
busca de empregos na
cidade. A empresa
produz roupa para marcas
como a Gap, a Columbia
e a H&M, entre outras.