National Geographic - Portugal - Edição 221 (2019-08)

(Antfer) #1
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Verdadeiros ex-líbris da evolução, as móbulas
são os Leonardos da Vinci do mundo das raias.
Possuem cérebros pesados e com grande percen-
tagem telencefálica no interior dos enormes crâ-
nios. A complexa encruzilhada neuronal que im-
pressiona vários investigadores é um universo de
interrogações. Entre inúmeras funções ainda por
descobrir, permite que estes animais tenham um
comportamento social e migratório, capacidade
sensorial aumentada e ainda uma capacidade de
aprendizagem de ordem superior.
Nas lendas do século XVII, época dos primeiros
avistamentos, as raias-diabo eram descritas como
seres monstruosos devoradores de homens. No
entanto, os pescadores e marinheiros que con-
fundiam as suas barbatanas cefálicas com chifres
do diabo estavam equivocados. Foi apenas uma
questão de tempo até a história inverter o rumo.
Actualmente, são estes seres inofensivos que pre-
cisam de temer o ser humano. A prova disso é a
presença de várias espécies de raias-diabo na lista
vermelha de espécies ameaçadas da União Mun-
dial para a Conservação da Natureza.


O


BARULHO DO MOTOR não era
suficiente para abafar o misto
de nervosismo e euforia que
ecoava nas águas escurecidas
por uma noite de céu sem
estrelas. Apesar dos avisos
que nos tentaram proteger de um território subaquá-
tico mitológico, a importância da missão prevaleceu.
No estreito de Bali, a dezenas de milhas da nossa
base, em Muncar (a vila javanesa com o segundo
maior porto de pesca da Indonésia), respiro fundo
e, de câmara na mão, salto borda fora. Na escuri-
dão, enquanto a imaginação batalha com a razão,
mergulho e procuro com o feixe de luz da lanterna,
enfraquecido pela turbidez da água, o “inferno”
das raias-diabo. No convés, Betty Laglbauer pre-
para os marcadores de satélite que serão fixados
no dorso das vítimas da rede de emalhar com qua-
trocentos e vinte metros de comprimento por nove
de largura que os pescadores se encontram a reco-
lher. Através deste método, a bióloga pretende cal-
cular a taxa de sobrevivência e os padrões de dis-
tribuição das móbulas que são devolvidas ao mar,
depois de capturadas acidentalmente por esta arte
que se destina à apanha do atum, espadarte, mar-
lim-azul, dourado-do-mar e tubarão-raposa.
“Atenção, vem aí uma Mobula thurstoni!”, avisa
a especialista. No momento em que se preparava
para marcar a fêmea prenhe, é impedida repen-


tinamente. “Não vale a pena, está praticamente
morta. Esta vem connosco”, explica Sanusi. O re-
gresso a terra firme foi silencioso.
Em 2015, numa viagem ao Peru, um dos países
onde diariamente são capturadas várias toneladas
de raias-diabo, Betty Laglbauer ficou chocada ao
descobrir que não existiam estratégias de gestão
para este recurso marinho. Decidiu criar o The
Móbula Project para salvar estes animais. Come-
çou por tentar reduzir o impacte da pesca artesa-
nal na Indonésia, a nação que captura mais raias e
tubarões em todo o mundo, há três décadas conse-
cutivas. Estima-se que, anualmente, a nível mun-
dial, entre 7 e 38 milhões de toneladas de pescado
sejam capturados acidentalmente e devolvidos
ao mar, mortos ou a morrer. É uma consequência
brutal de pescas selectivas e não sustentáveis.
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