A Santa Aliança

(Carla ScalaEjcveS) #1

firmar em seu íntimo. Devia ser sempre assim quando, de repente, nos dávamos
conta de alguma coisa. A aceitação de um fato chega sem avisar, mas precisa de
tempo para se sedimentar. “Não posso voltar.” Não podia voltar ao Pomar, não
podia voltar à casa em Hareskoven. Não podia voltar para a vida da qual deveria ter
sido a protagonista, uma vida que teria que ser vivida como fazia a maioria das
pessoas, uma vida de segurança e cumplicidade, de rododendros, caminhadas e
passeios à beira da floresta.
Eva estava ao balcão, esperando.



  • Com licença.

  • Pois não?

  • Vocês têm saída pelos fundos?
    A atendente, loira, de traços clássicos, com as sobrancelhas arqueadas, olhou para
    ela com surpresa. O assombro que se refletia em seus olhos virou compreensão, a
    compreensão que se estabelece entre duas mulheres bonitas que sabem o que é ser
    assediada por homens.

  • É claro – disse. – Venha comigo.
    Eva a seguiu através da cozinha. A atendente segurou a porta para ela.

  • Obrigada – disse Eva, que de repente se viu entre cestas de lixo, apoiada contra
    a parede.
    Esperou um momento. Ninguém a seguiu. Nem quando saiu do calçadão, deu
    num pequeno parque e ficou observando durante alguns minutos os arredores, o
    trânsito e as pessoas. “Por ora, não estão me seguindo”, pensou. “Estou livre. E não
    posso voltar.” Ao sair dali, quase chegou a sentir que uma força sobre-humana lhe
    percorria o corpo, uma força que surgia do nada. Uma zona morta, uma estaca zero
    interior – nenhuma família, nenhum marido, nenhuma ocupação, e no dia seguinte
    lhe tirariam a renda mínima e levariam a casa a leilão. Respirou fundo. Que
    estranho – a sensação era libertadora. Pegou a rua principal; sim, o medo vem do
    medo de perder as coisas, e ela não tinha nada a perder. Naquele instante,

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