Eva entre as pernas naquela noite. Não conseguia entender que tivesse sido um ato
dele próprio, Marcus, algo que tivesse mesmo feito; revia aquela sua ação como se
vê uma cena de filme.
Deixou o livro no lugar. “Conhece o teu inimigo.” Marcus não tinha tanta
certeza. A cada detalhe que se acrescia a seu conhecimento da inimiga chamada Eva,
mais difícil era ter de sacrificá-la.
Desceu a escada. No porão, à luz do entardecer, ficou um tempo olhando para as
caixas amontoadas; o sol baixo atravessava a janela à perfeição, quase parecia um
quadro. Abriu um armário. Lá estava o uniforme de gala, quase igual ao que Marcus
tinha pendurado em casa. Trane estava certo: Eva o tinha cortado, tinha tirado as
coroas. Ela estava com um parafuso solto? Era esse ódio não resolvido o que a
impulsionava? A dama de companhia. Será que podia ter sido algo tão simples? Será
que tinha sido a dama de companhia quem despertara o ódio latente em Eva, sua
percepção de que a rainha lhe tinha tirado algo? Marcus olhou as pastas abertas que
estavam no chão. Leu:
Sentiu necessidade de me humilhar quando entrei na sala de aula. Fiquei vermelha, e você viu, e continuou a
me dar bronca. “A menina bonita”, foi disso que me chamou, aquela que não precisa aprender direito a
profissão. Você é um bosta, um malvado, um complexado. Desconta a raiva nos outros. Diz que é preciso
“matar os desgraçados”. Dividiu o mundo em bons e maus, e, nesse seu mundo, você é o único bom. Os
outros são ou ignorantes que só pensam em si mesmos, ou maus, MAUS MESMO, que também estão
dispostos, mais até que os ignorantes, a mentir e roubar para ficar com tudo.
Passou um carro na rua, e Marcus ergueu os olhos. Sentiu uma coisa: seria um
pouco difícil – seria mais que difícil – tirar a vida de Eva. Deixou os papéis de lado.
Já tinha colocado o pé no primeiro degrau, para subir, quando ouviu a porta da
entrada principal abrir. Abotoou o blazer, sacou a pistola e, aproveitando o ruído
da porta ao se fechar, destravou o gatilho. Um clique metálico: agora, nove
milímetros de morte estavam à espera na câmara da arma para pôr fim àquela
história.