têm com Maomé. É, é isso mesmo. A gente aguenta um pouquinho de sátira; aquele
mínimo; ator gay de vestido que fica dando pulinho e bancando o bufão, bobos da
corte como os que sempre tivemos. Desse jeito, a gente alivia um pouco a pressão.
Mas vai só até aí, nada mais que isso. Ninguém critica de verdade. O empresariado
dinamarquês e a Casa Real: troca de favores e de dinheiro. – Lagerkvist tornou a
fazer que não com a cabeça. – O que o italiano chama de Cosa Nostra, a Máfia, o
que o resto do mundo chama de corrupção, a gente chama de Casa Real aqui na
Dinamarca. – Fechou os olhos. – Estou cansado.
Silêncio. Eva deu uma olhada nas anotações que tinha feito e olhou para
Lagerkvist, que respirava profundamente, com a boca aberta. Tinha adormecido?
Ela se levantou.
- Obrigada pela ajuda – disse Eva, baixinho. Não houve resposta. Eva, na ponta
dos pés, se encaminhou para a porta. - É gozado – ele disse.
Eva se voltou. Lagerkvist ainda estava de olhos fechados. - Eu estava na esperança de que alguém viesse me ver.
- Alguém?
- Qualquer pessoa. Era só uma esperança. Leio os jornais todos os dias; uma voz
nova, quem sabe? Fico assistindo à maquininha de fazer bobo – disse, e, ainda de
olhos fechados, fez sinal para a TV. – Tenho esperado que apareça alguém. - E aí apareço eu – disse Eva, e baixou os olhos. Pensou se não deveria desculpar-
se. Pedir desculpas por não ser a esperança que ele tinha. – Seja como for, obrigada - disse. Já estava prestes a sair quando ele a chamou.
- Eva?
- Sim?
Lagerkvist agora estava olhando para ela. - Telefone se acontecer alguma coisa.