Você SA - Edição 255 (2019-08)

(Antfer) #1

das empresas de tecnologia, é um
contraponto ao Fomo (fear of mis-
sing out), que, segundo o dicioná-
rio Oxford, pode ser traduzido como
“ansiedade gerada pela possibilida-
de de um evento emocionante ou
interessante estar acontecendo em
outros lugares, muitas vezes desper-
tada pelas redes sociais”.
Basicamente, enquanto o Fomo
representa o desespero em saber de
tudo o que acontece no mundo digital
e o pavor de ficar de fora de todo o
burburinho das redes sociais, o Jomo
vai no caminho contrário e estimula
as pessoas a se desconectarem para
que possam experimentar intensa-
mente alguma coisa no mundo offli-
ne. “Na busca pela consciência sobre
os próprios desejos e com vontade de
viver o momento presente e usufruir
dele, as pessoas têm se questionado
sobre o uso da internet e suas fun-
ções. Por estarem mais criteriosas e
selecionando melhor o que fazem e
as informações que consomem, elas
acabam dando espaço ao Jomo”, diz
Karen Vogel, psicóloga e professora
da The School of Life, de São Paulo.
Essas são preocupações importan-
tes em tempos atuais. Segundo uma
pesquisa realizada pela Fundação
Getulio Vargas de São Paulo, o Brasil
conta hoje com 230 milhões de ce-
lulares ativos. Computadores, note-
books e tablets somam 180 milhões.
Já o Cetic.br, responsável pela produ-
ção de indicadores e estatísticas so-
bre disponibilidade e uso da internet
no Brasil, aponta que, em 2017, mais
da metade da população brasileira já
tinha acesso à rede mundial de com-
putadores. Os números expressivos
fizeram o governo olhar o assunto
com atenção. Em julho deste ano, o
Ministério da Mulher, da Família e
dos Direitos Humanos anunciou um
programa de “detox digital”, o Reco-
necte, que, além de alertar a popula-
ção para os riscos do uso excessivo
da tecnologia, propõe um desafio ao


46 wAGOSTO DE 2019 wVOCÊ S/A


público: trocar, durante um dia in-
teiro, o tempo gasto com celulares,
computadores e outros dispositivos
eletrônicos por atividades offline. E o
Instagram, que, segundo uma pesqui-
sa do Reino Unido, é a rede social mais
prejudicial para a saúde mental, está
escondendo o número de curtidas nas
fotos. Segundo a empresa, isso é feito
para “aliviar a pressão” que as pessoas
sentem ao postar uma imagem.

Impactos na carreira
Mas nem todos parecem entender
a necessidade de ter momentos de
prazer fora da internet. A pressão
por resultados, a facilidade de falar
com subordinados e colegas em gru-
pos corporativos do WhatsApp e do
Telegram e de acessar o e-mail do
trabalho pelo celular estariam difi-
cultando o processo de desconexão
por parte dos empregados não só
nos fins de semana e feriados mas
também nas férias. Uma pesquisa do
LinkedIn realizada em 2018 demons-
tra isso. De acordo com o estudo, 70%
dos consultados admitiram não se
desligarem do emprego nas férias.
A prática de não aproveitar o perío-
do de descanso para se desconectar
e recarregar as energias, apesar de
comum, tem consequências bem ne-
gativas: estresse, ansiedade, queda
do potencial produtivo, diminuição
da criatividade e baixa capacidade
de inovação. “A redução da concen-
tração e da inventividade pode afetar
a produtividade em setores em que a
criação é importante. O acesso digi-
tal excessivo também pode limitar vi-
vências não previstas ou que não te-
nham sido filtradas por dispositivos
digitais”, diz Anderson Sant’Anna,
professor adjunto da FGV-Eaesp.
“Daí a importância de praticar mo-
mentos de oxigenação que possam
colocar o indivíduo em contato com
diferenças, inovações e possibilida-
des de surgimento do novo, fora do
controle dos algoritmos.”

Foi o que percebeu a publicitá-
ria Cláudia Gambaroni, de 40 anos.
Depois de meses vivenciando uma
exaustiva rotina digital, sentiu que
era hora de repensar seus hábitos e
suas relações pessoais após um aler-
ta feito por sua mãe. “Ela disse que,
quando eu a visitava ou estava em mo-
mentos de lazer com familiares, ficava
apenas no celular. Que era como se
eu não estivesse ali e que sentia fal-
ta da minha presença. Aquilo me fez
refletir”, afirma a empresária.
Durante quase um ano, enquanto
coordenava diversas equipes e redes
sociais, Cláudia chegou a trabalhar
por até 20 horas seguidas hiperco-
nectada. Ela teve problemas de an-
siedade, estresse, insônia e irritação
depois de assumir a liderança de uma
grande campanha de marketing po-
lítico na internet. “Estava com os
nervos à flor da pele. Falava com
muitas pessoas, avaliava informa-
ções o tempo todo e até dormia com
o celular embaixo do travesseiro para
responder às mensagens da equipe.
Só percebi que algo não ia bem, en-
tretanto, quando, após o término da
campanha, com o alerta da minha
mãe, notei que estava condicionada a
olhar a internet de maneira agressiva
mesmo sem estar trabalhando”, diz.
A mudança de comportamento
ocorreu de forma mais drástica num
primeiro momento. “Fiquei fora das
redes sociais por quatro meses e pas-
sei a investir esse tempo em ativida-
des físicas e a me dedicar a meus rela-
cionamentos presenciais, com amigos
e familiares. Não queria nada mais a
distância. Também estabeleci uma
meta diária e hoje uso menos a inter-
net, apenas no escritório. Nos fins de
semana, acesso a rede por apenas 15
minutos para ver coisas pessoais — e
só”, diz Cláudia, que controla as horas
que gasta na web depois de instalar
um app com essa finalidade. “Não foi
fácil no começo, mas encontrei uma
maneira mais saudável de viver cui-

QUALIDADE DE VIDA
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