I
magine que você está sentado, comendo, em
meio a uma praça, um parque ou restaurante,
com muitas pessoas, conversas, objetos e acon-
tecimentos ao seu redor. Enquanto o seu foco
está voltado à refeição, existe uma porção da sua
mente captando o rosto dos indivíduos que você não
está prestando atenção, as vozes, as roupas, as sensações
que aquele local gera e muitas outras informações que
ficam armazenadas no seu inconsciente. A partir daí,
tais dados adquiridos ficam armazenados e passam a
fazer parte do seu repertório pessoal.
Você já reparou, por exemplo, que consegue escovar os
dentes ou tomar banho sem fazer quase nenhum esforço
consciente – ou seja, sem direcionar sua concentração
a essas ações? Isso porque seu cérebro já compreendeu
esses processos e os realiza em uma espécie de modo
automático graças ao seu inconsciente, que guardou
esse conhecimento.
É comum que, com essas ilustrações do dia a dia,
as pessoas entendam a influência exercida por essa
estrutura da psique. No entanto, quando transferimos
a ideia para a compreensão da psicanálise, é possível ir
além e encontrar uma vasta produção teórica e aplicação
clínica a respeito do tema que tem como referência o
famoso neurologista austríaco Sigmund Freud.
Na psicanálise
Freud pode não ter sido o primeiro a identificar,
na mente humana, a existência de conteúdos além do
que podemos perceber conscientemente – o pensador
teve contato com ideias como do francês Jean-Martin
Charcot e leu os diálogos de Platão com Sócrates,
acreditando no princípio socrático de que todo apren-
dizado é uma recordação. No entanto, foi por meio do
austríaco que o conceito de inconsciente foi utilizado,
pela primeira vez, como base para o desenvolvimento
de uma teoria, a psicanálise.
“No campo psicanalítico, o inconsciente é um ele-
mento central. Essa estrutura compreende a maior parte
de nossa vida psíquica e acontece sem que tenhamos
conhecimento de sua existência ou pleno acesso a ela”,
pontua a psicanalista Camila Morais.
Além da formulação de uma nova área teórica e
clínica, o neurologista foi pioneiro ao relacionar os
conteúdos inconscientes aos transtornos da mente
e conflitos emocionais. “Quando temos vivências
traumáticas ou desejos que não suportamos lembrar,
recalcamos esses fatos. Porém, ao chegar ao incons-
ciente, o material não fica esquecido, pois existe um
movimento pulsional que faz essas lembranças virem
ao consciente em forma de impressões, gerando, assim,
as neuroses”, explana a psicanalista Claudia Brazil.
Para Freud, os pensamentos e comportamentos
têm origem em memórias, vivências ou sentimentos
- isto é, nada é por acaso. Assim, o surgimento de um
quadro psicológico acontece por uma razão, a qual,
invariavelmente, passa pelo inconsciente. E é neste
ponto que o conceito se une à abordagem terapêutica
criada pelo austríaco: “a psicanálise é um método
para investigar, desvendar e entender o inconsciente
a fim de tratar as psiconeuroses”, explica a psicóloga
e psicanalista Virgínia Ferreira.
“o inconsciente é o círculo maior
que abrange em si o círculo
menor da consciência; tudo o
que é consciente tem um estágio
prévio inconsciente, enquanto o
inconsciente pode permanecer
nesse estágio e ainda assim
reclamar o valor pleno de uma
produção psíquica”
Sigmund Freud
Imagem: Meranna/Gettyimages