O documentário Encontro com Lacan (2011), dirigido
por Gérard Miller - cujo irmão se casou com Judith
Lacan, filha do psicanalista -, relata gentileza e cuidado
imenso de Lacan com seus pacientes. Apesar disso, suas
teorias e práticas não foram uma unanimidade. Amigo
de personalidades notórias como Pablo Picasso, Claude
Lévi-Strauss e Jean-Paul Sartre, o psicanalista teve seu
escopo de estudos condenado principalmente por colegas
médicos e cientistas. Um dos fatores que contribui para
tal fato é que a maior parte de suas ideias está registrada
em seminários, o que acaba descredibilizando o psica-
nalista e tornando tudo mais complicado no ambiente
acadêmico. “A ideia de que Lacan seria um impostor
geralmente aparece ligada em relação ao seu estilo, já
que a sua obra é oral, ou seja, não tem o mesmo rigor
de um texto”, explica o professor. Além disso, outra
rusga do psicanalista com os cientistas acadêmicos era
a de que, para ele, ao contrário de estudos científicos
mais concretos, a psicanálise não deveria objetificar o
ser humano, já que o seu objetivo dela é tratar o sofri-
mento das pessoas.
De Freud a lacan
Lacan é considerado, por muitos especialistas, o
maior psicanalista depois de Freud. Mas, se isso é
verdade, o que o torna tão especial? O professor Chris-
tian Dunker explica que Sigmund tinha um estudo
diretamente ligado à biologia, com bases em Charles
Darwin, na neurofisiologia (ramo da fisiologia que
estuda o sistema nervoso) e no conceito filosófico de
representação (como o ser humano representa as coisas
em sua mente). Já Lacan seguia por outro caminho e
utilizou a linguagem como o seu principal instrumento
de trabalho. Portanto, são estudos não biológico, mas
ligados à lógica e à filosofia estruturalista.
Estruturalismo
O método estrutural foi desenvolvido pelo antropólogo
Claude Levi-Strauss a partir da generalização dos acha-
dos do iluminista suiço Ferdinand de Saussure. Adotado
pelas ciências humanas, o estruturalismo defendia a
ideia de que relações sociais deveriam ser repensadas e
reescritas em termos de linguagem. De origem belga,
Lévi-Strauss foi estudar, por exemplo, a estrutura de
parentescos como uma troca de linguagem. Lacan é
um caso particular e, diferente de seus colegas, pensou
o inconsciente inserido nesse método, estruturado a
partir da linguagem e analisado por enunciados que
podem representar sintomas.
O desejo e a falta
Nesse contexto psicanalítico, fundamentado pelo es-
truturalismo e a linguagem, o desejo humano é enunciado
por meio da metonímia - figura de retórica que consiste
no uso de uma palavra deslocada de seu contexto semân-
tico normal. “Lacan vai perceber que uma das condições
mais fundamentais da linguagem é que ela comporta a
negatividade. Nós conseguimos lidar com coisas que são
ausentes, as representando em negativo”, explica o professor
Christian Dunker. Conforme o especialista, o desejo é a
expressão e realização desse negativo. Portanto, pensando
na linguagem, o desejo vai ser deslocado, substituído e
movimentado pela relação que o sujeito tem com a falta –
essa, que pode ser percebida através da privação e castração
do sentimento, do recalque conceituado por Freud.
Vale lembrar, porém, que apesar do grande impacto da
antropologia e da linguística na reestruturação proposta
por Lacan, a psicanálise tem seus próprios processos e
fala por si só. Lacan dizia que a linguística fornecia o
material da análise ou o aparelho com que nela se opera.
Dessa forma, o inconsciente se expressa por meio da
linguística como uma condição, mas ela não tem menor
influência sobre ele.
COnSUlTORIa christian dunker, psicanalista,
professor titular do Instituto de Psicologia
da universidade de são Paulo (usP) junto
ao departamento de Psicologia clínica, pós-
doutor pela Manchester Metropolitan university.
atualmente é analista membro de escola (a.M.E.)
do fórum do campo lacaniano. Em 2012 ganhou
o prêmio Jabuti de melhor livro em psicologia e
psicanálise com a obra Estrutura e constituição da
clínica Psicanalítica.
FOnTES o estruturalismo em Jacques lacan: da
apropriação à subversão da corrente estruturalista
no estabelecimento de uma teoria do sujeito do
inconsciente artigo de luis flávio silva couto e
Marcelo fonseca gomes de souza, publicado em
ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica.
Encontro com lacan, documentário dirigido por
gérard Miller, em 2011.
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