Ao pensar na arte russa durante o período revolucionário da
queda dos czares, a questão de uma reestruturação estética se
coloca. Conforme Argan, em “Arte Moderna” (Cia das Letras,
1999), entre as vanguardas que foram animadas por revoluções,
a russa foi a única a “colocar explicitamente a função social da
arte como uma questão política”. Sob a égide dos acontecimentos,
artistas foram impulsionados a manter-se em
paralelo com a política.
Com o entusiasmo romântico provocado pelas
revoluções de 1917, vários artistas e alunos
da arte de esquerda começaram a estruturar
novos meios artísticos. Em setembro de 1918,
estabeleceram os svomas (ateliês livres), que
procuraram atender a uma democracia do
ensino, estruturando-se em três tipos: os cujos
professores eram eleitos pelos alunos, os que
não possuíam professores e aqueles com mestres
designados previamente.
A intenção desses artistas era tão transgressora
que o objetivo primeiro de uma nova arte era
de que ela fosse livre de qualquer envolvimento,
quer seja político ou ideológico. Assim, deveria
se preocupar prioritariamente com ela mesma.
É preciso constatar que o ambiente era propício a uma arte
revolucionária, e de modo algum isso é o mesmo que dizer que a
Revolução foi o estopim para os acontecimentos vanguardistas.
Para tanto, se retornarmos a 1913, verificaremos que Malevich já
executava diversas telas suprematistas, assim como Tatlin fundava
o construtivismo (veja a seguir). É o que indica Faerna e García-
Bermejo em seu livro sobre Malevich (“Malevich”, Editora Globus,
1995), quando dizem que a revolução russa “deu lugar a uma
situação em que, por algum tempo, os artistas modernos tocaram
com a ponta dos dedos a oportunidade da sua utopia: um Estado
revolucionário onde a vanguarda poderia, por fim, realizar seu
programa de transformação do mundo à medida do homem novo”.
Muitos artistas russos já gozavam de certa notoriedade na Europa
neste início do século 20, como Kandinsky, Pevsner, Gabo e
Chagall, que, no período da 1a Guerra
Mundial, retornaram à Rússia, onde
tiveram um papel ímpar na constituição
de uma “arte proletária”. Marc Chagall,
que possuía uma pintura particular que
tangia o folclore judaico e temas oníricos
e de fábulas, foi alvo de seus compatriotas,
que afirmavam ser a verdadeira revolução
feita com bastante rigor e nada de fantasia.
Entretanto, muitos teóricos afirmam a força
das fábulas na formação de uma arte que
se queria revolucionária e socialista, pois
a fábula seria um elemento da expressão
criativa do povo. Portanto, tendo alguma
força popular, teria igualmente certa
força revolucionária.
Experimentações revolucionárias
A interferência europeia é bem clara quando observamos a
vanguarda na Rússia pré-revolucionária. Como dissemos, muitos
artistas já tinham uma carreira internacional, o que, de certa
forma, influenciou a arte de toda uma geração. Antes das grandes
guinadas vanguardistas, Malevich, por exemplo, nos primeiros anos
do século 20, esteve atrelado às propostas do Pós-impressionismo,
do Cubismo e do Futurismo (mesmo Marinetti, grande nome do
agrária através da distribuição de terras para os campo-
neses. Quem saía perdendo com isso eram os chama-
dos “kulaks”, grandes proprietários e produtores de ali-
mentos, tidos como uma burguesia rural. No início, era
preciso manter boa parte dessas fazendas em funcio-
namento para assegurar a produção, mas, com a guerra
civil, o processo de cobrança dos “kulaks” se acentuou.
O governo exigia alimentos dos camponeses em escala
cada vez maior para assegurar o abastecimento. Nessas
“cobranças”, a violência era corrente e, muitas vezes, se
transformava em pura pilhagem. Tais ações do gover-
no revolucionário acabaram gerando descontentamen-
to, que seria maior com a decisão da “militarização do
trabalho” (o uso dos soldados para ajudar em ativida-
des essenciais da economia e, posteriormente, o empre-
go de trabalhadores como soldados), a fim de incenti-
var o crescimento da indústria e o direcionamento para
a ditadura do proletariado.
Logo as ações do governo revolucionário geraram
descontentamento, e uma revolta explodiu entre os ma-
rinheiros de Kronstadt, que reivindicavam liberdade de
Por Martinho Ju- Na Revolução, a vang
nior
Composição suprematista
de Kasimir Malevich
AFP
AFP/ Roger Viollet