distribuirmos pedaços desiguais. Por exemplo, Alice e Bruno podem querer dividir o bolo de
modo que Alice esteja convencida de que recebeu no mínimo 3/5, e Bruno, no mínimo 2/5 —
ou seja, ambos buscam uma proporção de 3:2. Este problema tem soluções muito diferentes
conforme a proporção desejada, que poderá ser expressa por números inteiros ou então se
tratar de uma proporção irracional, como. No primeiro caso, Alice poderia ser
substituída por três clones e Bob por dois, que dividiriam então o bolo de maneira justa. No
segundo, porém, essa abordagem não funciona, pois não podemos fazer clones de alguém.
Ainda assim, mesmo no caso irracional podemos fazer a divisão com um número finito de
cortes, embora não possamos prever de antemão quantos cortes serão necessários.
Uma das características mais interessantes da teoria da divisão do bolo é o que Robertson
e Webb chamam de “sorte do desacordo”. À primeira vista, poderia parecer que a divisão
justa é mais simples quando todos concordam com o valor de cada pedaço do bolo — afinal,
depois disso não poderão mais discutir sobre o valor de certo pedaço. Na verdade, ocorre o
oposto: quando os participantes discordam dos valores, torna-se mais fácil agradar a todos.
Suponha, por exemplo, que Fulano e Beltrano estejam usando o algoritmo “eu corto, você
escolhe”. Fulano corta o bolo em dois pedaços que, em sua opinião, têm o mesmo tamanho:
1/2 cada um. Se Beltrano concordar com essa avaliação, o assunto está encerrado. Mas
suponha que, na opinião de Beltrano, os dois pedaços tenham tamanhos de 3/5 e 2/5. Nesse
caso, ele poderá, por algum motivo altruísta, decidir dar a Fulano 1/12 do que considera ser o
pedaço maior (que, para ele, representará 1/20 do bolo como um todo). Ele ainda ficou com
3/5 - 1/20 = 11/20 do bolo, segundo sua avaliação. Um modo de fazer essa doação é pedir a
Beltrano que divida o pedaço maior, segundo sua estimativa, em 12 partes que considere terem
o mesmo tamanho. Ele então oferece a Fulano que escolha somente uma delas.
Independentemente da escolha de Fulano, Beltrano ainda acredita ter ficado com 11/20.
Fulano, por outro lado, vê-se diante de 12 possibilidades, cujo valor total é 1/2. Portanto, pelo
menos uma delas valerá 1/24, em sua estimativa. Ao escolher esse pedaço, ele acabará com o
que considera serem ao menos 13/24 do bolo. Portanto, agora Fulano e Beltrano acreditam ter
recebido uma fatia maior que a justa.
A intuição, neste caso, não é que o desacordo sobre os valores deve levar a um desacordo
sobre o que constitui uma divisão justa. Isso poderia ocorrer se uma terceira pessoa dividisse
o bolo e insistisse em que Fulano e Beltrano aceitassem uma daquelas fatias predeterminadas,
mas podemos evitar facilmente essa situação pedindo a Fulano e Beltrano que façam a divisão
por conta própria. Pois nesse caso, se certo pedaço for mais valioso para Fulano que para
Beltrano, será mais fácil satisfazer Fulano. O truque é fazermos os cortes e as escolhas do
jeito certo, e só. Temos aqui um recado para as disputas políticas: é mais fácil encontrar uma
solução se as partes envolvidas puderem se sentar à mesa de negociação para chegar a um
acordo por conta própria. Um acordo imposto por uma entidade externa, por mais justo que
pareça ao observador desinteressado, poderá não ser aceitável para os participantes.
Outro caso do mesmo princípio surge no problema da divisão de terrenos numa praia.
Suponha que uma estrada reta passe perto de um lago na direção leste-oeste e que queiramos
dividir a terra entre a estrada e o lago com cercas na direção norte-sul. O problema trata da
divisão da terra entre n pessoas, de modo que todas recebam uma porção contínua de terra que
considerem ter ao menos 1/n do valor total. A solução é serenamente simples. Basta tirarmos
uma fotografia aérea do terreno e pedirmos a cada participante que desenhe linhas norte-sul de
modo que, em sua estimativa, a terra seja dividida em n lotes de mesmo valor (Figura 14.1).
Se todos os participantes desenharem as linhas nos mesmos lugares, então qualquer alocação
satisfará a todos. Porém, se houver qualquer desacordo sobre a posição das linhas, poderemos
fazer com que todos acreditem ter recebido uma porção justa e ainda sobrará um resto de
terreno. A Figura 14.2 mostra um caso típico, no qual Fulano, Beltrano e Sicrano executaram