National Geographic - Portugal - Edição 222 (2019-09)

(Antfer) #1

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Roger Hanlon conseguiu documentar a for-
ma como um polvo mudou de aspecto 177 vezes
numa hora, num recife do Pacífico. Para orga-
nizar esse espectáculo visual, os polvos contam
com três camadas constituídas por três tipos di-
ferentes de células com pigmentos. A mais pro-
funda contém leucóforos, células brancas que
reflectem de forma passiva a luz do fundo mari-
nho. A intermédia possui iridóforos, reflectores
iridescentes que geram tons verdes, azuis, dou-
rados e rosados e cuja activação está vinculada
a um neurotransmissor, a acetilcolina. Por fim,
a camada superior está repleta de cromatóforos,
“minúsculos sacos de pigmento amarelo, verme-
lho, castanho e negro, cada um dos quais num re-
cipiente de grande elasticidade que se pode abrir
ou fechar para gerar mais ou menos cor”. Só para
camuflar os olhos, um polvo consegue activar
cinco milhões de cromatóforos e cada um deles
“é regulado por nervos e músculos sobre os quais
o polvo exerce um controlo voluntário”.


OUTRAS ESPÉCIES NÃO DESENVOLVEM TÁCTICAS
crípticas, cuja finalidade consiste em alcançar invi-
sibilidade máxima. Em contrapartida, adoptaram
a táctica inversa: o aposematismo. Longe de passa-
rem despercebidas, as espécies aposemáticas exi-
bem características muito apelativas que
funcionam como sinais de alerta. Algumas preten-
dem sinalizar o perigo para o predador, sugerindo-
-lhe que a caçada pode ter consequências fatais
para os dois. É o caso das cores brilhantes de muitas
rãs venenosas, como as do género Dendrobates, ou
das vistosas listas amarelas e pretas das ferozes ves-
pas, exemplos de aposematismo animal. Outras,
pelo contrário, chamam a atenção de forma positi-
va, como as plantas equipadas com flores e frutos
vistosos que transmitem uma mensagem clara,
incitando os insectos a contactarem com elas.
Uma terceira via muito difundida para modi-
ficar o aspecto com o objectivo de obter alguma
vantagem funcional é o mimetismo, que se ma-
nifesta de formas sofisticadas. Imitando o aspec-
to de outra espécie, alguns organismos tentam
repelir, enquanto outros pretendem o oposto.
Entre os primeiros estão os animais que, dotados
de poucas ferramentas defensivas, se asseme-
lham a uma espécie parecida, mas mais perigosa.
Este fenómeno, conhecido como mimetismo ba-
tesiano, foi apresentado à Sociedade Lineana de
Londres em 1861, pelo naturalista britânico Hen-
ry Walter Bates, após a viagem que realizou ao
Amazonas, juntamente com o seu compatriota,


o naturalista e explorador Alfred Russel Wallace.
Ali, ambos observaram a enorme semelhança de
algumas mariposas inofensivas com outras que
possuíam substâncias tóxicas, um truque igual-
mente utilizado por certas moscas, que imitam
vespas, ou as falsas cobras-coral.
“Na Península Ibérica temos um exemplo claro
de mimetismo batesiano na mariposa Sesia api-
formis”, afirma Albert Masó. “Este animal perdeu
escamas nas asas e adquiriu riscas amarelas e
pretas para se parecer com as abelhas, chegando
até a apresentar um mimetismo comportamen-
tal, pois voa como elas: bate as asas a mais de 100
hertz, mantendo-se no ar em voo estacionário.”
Em 1878, o naturalista alemão Fritz Müller
descreveu outra forma de mimetismo, o
mülleriano, que eleva a estratégia ao nível de
grupos de espécies que partilham uma carac-
terística: são perigosas. Na Amazónia brasilei-
ra, Müller, que trocou correspondência intensa
com Darwin durante esse período, observou
como várias espécies de mariposas venenosas
não aparentadas entre si tinham mimetizado os
sinais de alerta umas das outras. Na verdade, no
mimetismo mülleriano, nenhuma espécie imita
a outra. De certa forma, a evolução provocou um
acordo tácito entre elas para avisar os predado-
res com uma mensagem partilhada que aumen-
ta a sua eficácia, uma vez que o predador que
prove uma respeitará as restantes. Neste caso, o
melhor exemplo é a mariposa do género Zygae-
na, cujos representantes mostram um padrão de
coloração muito parecido.
De forma antagónica, outras espécies mimé-
ticas procuram atrair determinados organis-
mos fingindo ser o que não são. É o caso das
orquídeas, rainhas dos estratagemas de sedu-
ção daquilo a que podemos chamar mimetismo
reprodutivo. Por exemplo, a orquídea-abelha
(Ophrys apifera), possuidora de uma pétala que
faz lembrar uma fêmea desse insecto, atrai os
zangãos que, ao pousarem na flor com o intui-
to de copularem, ficam impregnados de grãos
de pólen que depois transferem dos órgãos se-
xuais masculinos das flores para os femininos,
ou seja, dos estames para o estigma, favorecen-
do a polinização.

Peixes e cefalópodes revelam os seus dotes de
camuflagem nos respectivos habitats: em cima, um
linguado-pavão (Bothus mancus) nas águas das
Maldivas. Em baixo, um grande polvo-azul (Octopus
cyanea) fotografado num recife de coral das Filipinas.

PASCAL KOBEH/NLP/CORDON PRESS (EM CIMA, À DIREITA);
GEORGETTE DOUWMA/NLP/CORDON PRESS (EM BAIXO, À DIREITA)
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