National Geographic - Portugal - Edição 222 (2019-09)

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A orquídea-mosca (Ophrys insectifera) também
consegue ser polinizada pelas abelhas, utilizando
um truque parecido e, além disso, imita o odor
emitido pelas abelhas no cio. O próprio Darwin,
inspirado entre outras facetas pelo livro do natu-
ralista alemão Christian Konrad Sprengel “The
Secret of Nature Discovered”, dedicou vários anos
ao estudo destas flores tão complexas como fasci-
nantes, capazes de interagir com várias espécies
polinizadoras, em particular insectos e aves, e até
com fungos. Em 1862, escreveu ao seu amigo e
botânico britânico Joseph Dalton Hooker: “Achei
utilíssimo o estudo das orquídeas, pois demons-
trou que quase todas as partes da flor estão coa-
daptadas para a fertilização pelos insectos e são,
por isso, resultado da selecção natural, mesmo
nos mais triviais pormenores da sua estrutura.”
Há outras plantas que, em vez de encorajarem
os agentes polinizadores pela via sexual, fazem-
-no pela “via gastronómica”, aparentando serem
um alimento suculento. Mais especificamente,
um animal deliciosamente morto e fedorento.
É o caso de certas flores do género Stapelia,
oriundas de África. O odor a carne podre atrai de
forma irresistível os dípteros da família dos cali-
forídeos, como as moscas-azuis.
Não há dúvida de que as estratégias defensi-
vas dos animais são diversificadas e, por vezes, a
mesma espécie apresenta várias em simultâneo.
Algumas mariposas exibem duas asas crípticas
com as quais se tapam para passarem despercebi-
das e outras duas aposemáticas para afugentarem
os predadores: nestas, destacam-se grandes ocelos
semelhantes a olhos que assustam os seus perse-
guidores, fazendo-os crer que estão diante de um
animal muito maior. “Um bom exemplo é a mari-
posa nocturna Smerinthus ocellata, cujas asas an-
teriores camuflam-na entre a folhagem, mas que,
quando erguidas, expõem os enormes ocelos das
posteriores”, afirma Albert Masó.


O PERIGO É UM DETONADOR fundamental da evo-
lução. Assim o demonstrou um interessante estu-
do realizado pelo ecologista Pim Edelaar, do
Departamento de Biologia Molecular e Engenha-
ria Bioquímica da Universidade Pablo de Olavide,
em Sevilha (cujos resultados fazem parte da tese
de doutoramento do investigador Adrián Baños),
no qual se evidencia que os gafanhotos da espécie
Sphingonotus azurescens, endémica da Península
Ibérica, aperfeiçoam a sua camuflagem quanto
mais elevado é o risco de predação. Estes insectos
costumam mudar de cor para se parecerem ao


máximo com o solo onde vivem e, segundo com-
provaram estes cientistas, o ajuste da coloração
será maior se o perigo de ser caçado aumentar.
“Tudo indica que os olhos destes gafanhotos
detectam a tonalidade do solo e o corpo reage a
essa informação,” explica Pim Edelaar. “A partir
desse momento, vão-se depositando novos pig-
mentos na sua cutícula, formados por dois tipos
de melanina: uma azulada-quase-negra e outra
castanho-avermelhada, num processo muito
lento que dura vários dias ou semanas.” Contudo,
nada nesta vida é grátis. Essa decisão comporta
riscos e implica maior dispêndio de energia e, por
conseguinte, de recursos e nutrientes.
“As ninfas podem mudar de cor a cada muda,
o que acontece seis vezes até alcançarem o esta-
do adulto. No entanto, os adultos não renovam a
pele, o que significa que a cor produzida na última
muda será aproximadamente a que terão para o
resto da sua vida”, acrescenta o investigador.
A prova de que, perante um perigo maior, as mu-
danças de cor desta espécie são mais acentuadas
foi obtida após a observação de dois grupos de
ninfas: um colocado sobre um fundo claro e outro
sobre fundo escuro. Todas foram adoptando cor-
poralmente o tom do substrato. No entanto, algu-
mas foram expostas a um risco de predação supe-
rior (movendo simplesmente as mãos sobre elas
três vezes por dia durante o seu desenvolvimento,
simulando assim o aparecimento de predador) e
ajustaram muito mais a sua tonalidade à do solo.
Quer se trate de capacidades crípticas, aposemá-
ticas ou miméticas, adoptadas para atrair ou para
afugentar, a finalidade destes esquemas evoluti-
vos é a melhoria das expectativas de sobrevivên-
cia e de reprodução. Nós, seres humanos, também
recorremos a elas, não só quando vestimos roupas
camufladas ou fazemos pinturas corporais. Todos
desenvolvemos, em maior ou menor medida, ar-
dis para confundir quem nos observa. Por vezes,
tentamos ser invisíveis. Ou pretendemos, nalguns
casos, o oposto: destacar-nos ao máximo, seja para
seduzir ou para amedrontar. Como dizia Maquia-
vel, “poucos vêem o que somos, mas todos vêem o
que aparentamos ser”. j

Um gafanhoto do género Pterochroza, no Parque
Nacional Yasuni, no Equador, exibe asas que imitam
os olhos de um animal muito maior, uma estratégia
para dissuadir potenciais predadores (em cima). Em
baixo, um bicho-pau (Lonchodes sp.) no monte
Gunung Penrissen, na ilha do Bornéu, camuflado
sobre uma folha.

PETE OXFORD/MINDEN PICTURES (EM CIMA, À DIREITA);
CH’IEN LEE/MINDEN PICTURES (EM BAIXO, À DIREITA)
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