Clipping Jornais - Banco Central (2022-04-24)

(Antfer) #1

A CULTURA DAS SUÇUARANAS


Banco Central do Brasil

Jornal O Globo/Nacional - Segundo Caderno
domingo, 24 de abril de 2022
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: CACÁ DIEGUES


As suçuaranas, onças pardas dadas por extintas,
reapareceram na mata litorânea do Rio de Janeiro que
as alimenta e conserva. Como elas, as tendências
culturais do país também reaparecem, voltam sempre a
ter um valor para a população que as criou e ainda as
cria.


Mesmo que os responsáveis pelo Estado prefiram se
manifestar a favor das armas de fogo, que representam
os projetos com que mais sonham. Ao longo do tempo
em que estamos no planeta, fizemos muito bem a ele e
a nós; assim como também cometemos graves erros
dos quais não é fácil nos livrarmos. A invenção e o uso
de armas de fogo é um deles, a boçalidade do desejo
de eliminar o outro quando não estamos de acordo.
Talvez por isso tenhamos inventado a cultura, o que nos
une e nos livra da disputa irracional.


O Cinema Novo foi uma dessas invenções, um modo de
fazermos filmes que nos distinguem, filmes que só nós
sabemos e podemos fazer. A invenção desses filmes
aconteceu no final dos anos 1950 e parecia ter se


esgotado com o golpe militar de 1964. Mas sempre
renasce e se recupera, como de novo agora, quando
está em cartaz um filme como 'Medida provisória', de
Lázaro Ramos. 'uma história sobre racismo e identidade
para os ouvidos do.

Brasil atual' como dizem no livro 'Medida provisória:
Diário do diretor', da editora Cobogó. No filme, não se
sabe exatamente quando, o governo brasileiro obriga
todo cidadão de 'melanina acentuada', negros e pardos,
a voltar para seu país africano de origem, de onde
vieram seus antepassados.

Sob o disfarce humanista de bem social, a medida
provoca uma diáspora compulsória, uma intervenção na
vida pessoal dos pretos do país, envolvendo os
personagens dos excelentes atores Alfred Enoch (uma
síntese de nobreza e jovialidade), Taís Araujo (uma
médica que aprende a se engajar na luta política) e Seu
Jorge (a paixão é sempre absolutamente necessária).
Eles vão viver em afrobunkers, quilombos tecnológicos
que guardam os restos de uma cultura condenada, de
onde reagem à violência de governantes que querem
determinar aquilo que devem fazer.

A disputa então se dá entre os que se rendem à decisão
do governo e os que não se entregam à submissão.
Mas ninguém vai conseguir passar batido por nossos
heróis, num filme em que não aparecem armas nas
mãos de pessoas negras como se fosse um destino
inelutável. Um filme 'imperfeito, porém imperdível', como
escreveu Katiúscia Vianna em seus site crítico de
filmes.

O Cinema Novo nunca foi o resultado de manifestações
ideológicas comuns ou de práticas políticas unificadas.
Nada mais diferente do que Nelson de Glauber,
Joaquim de Leon, Saraceni de Walter, Davi de qualquer
um etc.

Como já afirmei e devo ter escrito por aí, O nosso era
um programa que tinha apenas três pontos: mexer com
a história do cinema para fazermos filmes originais e
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