PATRÍCIA KOGUT - QUANDO A VOZ FEMININA NÃO E OUVIDA
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Jornal O Globo/Nacional - Segundo Caderno
domingo, 24 de abril de 2022
Cenário Político-Econômico - Colunistas
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Autor: PATRÍCIA KOGUT
A série de antologia lançada pela Apple TV+, 'Rugido'
tem oito episódios que podem ser vistos de forma
independente. Questões relativas ao universo feminino
conectam as histórias. Como o título indica, as
narrativas abordam aquilo que as personagens não
conseguem expressar através de uma voz modulada e
de timbre controlado. Esta adaptação de contos de
Cecelia Ahern trata do que está engasgado ou do
impronunciável. Assisti aos dois primeiros capítulos e é
sobre eles que falo hoje. Mais adiante comentarei os
demais.
O elenco é de peso. A premiada Issa Rae estrela o
programa que abre a série, 'The woman who
disappeared' (a mulher que desapareceu). Ela vive
Wanda, escritora e professora novaiorquina que batalha
nas sombras até que um livro seu se torna um best-
seller. Passa a ser cortejada por um poderoso estúdio
de
Hollywood, que acena com a possibilidade de levar a
obra para o cinema. Ela desembarca em Los Angeles
para negociar os termos da adaptação. Já na saída do
aeroporto avista uma estranha, sentada num banco,
devorando seu livro.
É reconhecida nas ruas. Wanda recebe tratamento de
estrela. Fica hospedada numa daquelas casas imensas
no alto de um morro, com piscina e vista deslumbrante
para a cidade. Porém, no encontro com os três
executivos que a convocaram, não se sente notada ou
ouvida.
É uma invisibilidade metafórica, mas que, na série, é
mostrada de forma literal. Apesar das grandes
atuações, a dramaturgia se perde. Falta sutileza à
abordagem da desvalorização social da mulher e, mais
ainda, da mulher negra. O didatismo diminui a força da
mensagem. Pena.
O segundo programa, 'The woman who ate
photographs' (A mulher que comeu fotografias), sofre do
mesmo mal. A protagonista, Robin (Nicole Kidman),
chega à maturidade e se sente imprensada entre duas
dores. Ela está se despedindo do filho, que vai cursar a
universidade num lugar distante. Ao mesmo tempo,
assume os cuidados com a mãe, que sofre de
demência.
Robin aluga uma caminhonete para buscá-la em outra
cidade. Acompanhamos a viagem delas, marcada por
diálogos ásperos e pelos lapsos de memória da mãe.
Na bagagem, levam velhos álbuns de fotografias.
Robincultivao estranho hábito de devorar as fotos de
sua infância, como se mordesse e engolisse antigas
lembranças. O gesto inútil é comovente, mas, como em
'Thewoman who disappeared', soaliteral demais para os
simbolismos que almeja transmitir. O segundo episódio
é melhor que o primeiro, mas ambos decepcionam. Eles
valem pelos elencos.
COLUNISTAS