Clipping Jornais - Banco Central (2022-04-24)

(Antfer) #1

Fiascos autocráticos


Banco Central do Brasil

Jornal O Estado de S. Paulo/Nacional - Notas e
Informações
domingo, 24 de abril de 2022
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Há mais de uma década a democracia global está em
recessão e a autocracia, em ascensão. Em 2019,
Vladimir Putin declarou o liberalismo 'obsoleto'. Assim
como ele, Xi Jinping na China consumou manobras
constitucionais para se perpetuar no poder. A narrativa
da 'decadência ocidental' despertou uma legião de
emuladores nas democracias liberais.


Tipicamente, esses populistas e autoritários se
apresentam como indispensáveis - 'só eu posso
consertar as coisas' disse Donald Trump nos EUA. De
Varsóvia a Nova Délhi, de Ancara a Brasília, lideranças
estimulam um culto à personalidade, apresentam-se,
domesticamente, como campeões do 'povo' contra as
'elites' e, internacionalmente, como encarnações de
suas nações. À direita, em especial, a nostalgia
nacionalista, o conservadorismo cultural, a intolerância
com minorias e o desprezo pelo 'politicamente correto'
galvanizaram o Brexit na Inglaterra, a eleição de Trump
ou os eurocéticos na União Europeia.


O presidente Jair Bolsonaro, usualmente tão
desconfortável nos palcos internacionais, fez questão de
visitar Putin e Viktor Orbán para se banhar em sua aura


de 'líderes fortes'. Recentemente, Luiz Inácio Lula da
Silva se derramou em loas à China, como 'um modelo
de desenvolvimento para o mundo inteiro', 'capaz de
lutar contra o coronavírus tão rapidamente porque tem
um partido forte e um governo forte, porque o governo
tem controle e poder de comando'.

De fato, a pandemia parecia o laboratório ideal para
testar a potência das tecnocracias centralizadoras e a
virilidade de seus líderes. Do mesmo modo, uma
ocupação rápida e massiva da Ucrânia confirmaria Putin
como 'mestre estrategista'. Mas os fatos caminham em
outra direção. Os tanques russos sucateados na
Ucrânia e as ruas desertas de Xangai com centenas de
milhões de chineses confinados com fome e medo são
a imagem mais eloquente desse revés.

Paradoxalmente, a potencial desmoralização dos
autocratas e seus admiradores não tem raízes morais.
Fosse o caso, ela já teria acontecido após as
atrocidades na Síria ou em Xinjiang. Não é um problema
de moralidade, mas de competência.

A resistência ucraniana foi bem mais feroz do que Putin
previa. Assim também a coordenação ocidental. Novos
países querem se juntar à Otan. O fiasco militar e
econômico despertou focos de dissidência entre
celebridades, oligarcas e mesmo militares russos.

A estratégia da 'covid zero' na China se tinge com as
cores de uma distopia. O partido não preparou os
cidadãos para conviverem com o vírus, suas vacinas
são menos eficientes e não cobriram todos os
vulneráveis. O controle sobre seu empresariado, com
um misto de subsídios e intimidação, arrisca
enfraquecê-lo no mercado global de capitais e deixá-lo
para trás na corrida pela inovação. O apoio a Putin pode
ferir as relações com a Europa e os EUA.

Não que se deva subestimar as autocracias. Irã, Cuba e
Venezuela já se mostraram notavelmente resistentes às
sanções ocidentais. A popularidade de Putin parece ter
crescido após a guerra. À economia chinesa segue em
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