Sabor. club [ ed. 33 ] | 21
“Quando eu era criança, chocolate era um luxo reservado
aos domingos. Lembro que sempre me escorria uma
lágrima de felicidade (como aquela que brota ao tomar
refrigerante) quando mordia o primeiro pedaço. Nunca
ousava mastigá-lo, deixava ele derreter bem devagarinho
na boca, na esperança de que nunca acabasse. O tempo
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emancipada, mas mesmo comendo chocolate todos os
dias, nunca mais consegui sentir o arrebatamento dos
velhos domingos. Por um bom tempo, acreditei
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aos prazeres simples da infância. E no esforço de
recuperar aquela humildade gustativa perdida,
me submetia a uma dieta compulsória de
chocolates daquela época. Francês
e suiço, só em casos extremos,
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namoro.
Até que um dia,
a curiosidade e a
abstinência de bons
chocolates, me
levaram a pesquisar
sobre a sua
qualidade. Qual foi a
minha felicidade ao
descobrir que meu
paladar tinha razão.
Na década de 1980
os chocolates não só
pareciam melhores,
como de fato eram. E
isso, graças a uma lei
que derteminava que
todo chocolate deveria
conter um mínimo de 32% de
sólidos de cacau e manteiga
de cacau pura. O açúcar tinha que
ser sacarose, podendo ser substituido
parcialmente por glicose pura ou lactose.
Estavamos felizes com a nossa velha e boa caixinha
de bombom amarela – lembra dela? – até que em
2005, uma outra resolução que vigora somente
no Brasil abriu caminho para uma perda
irreversível da qualidade.
A porcentagem obrigatória de sólidos de cacau
despencou para mínimos 25%, e o pior: a manteiga
de cacau, que é o ingrediente mais nobre e caro de
uma receita de chocolate, deixou de ser obrigatória,
podendo ser substituida por gorduras alternativas
como a de palma, que custa dez vezes menos e
altera as caracteristicas do chocolate, como textura,
brilho e sabor. Por uma questão de economia, boa
parte dos chocolates industriais passaram a ser
feitos unicamente de pó de cacau (muitas vezes de
segunda linha, com resíduos de galhos e cascas)
e gordura vegetal. Ou seja, choolate deixou de
ser chocolate para se transformar em uma
guloseima. Resultado? Não foram só os
bombons de ameixa que passaram a sobrar
na caixa.
A boa notícia é que nem todos os
fabricantes se aproveitaram dessa
mudança. Os chocolateiros
que prezam a qualidade
continuam, por opção,
seguindo a legislação
antiga e fazendo um
chocolate puro. Uma
dica para diferenciar o
chocolate-guloseima
(industrial) do
verdadeiro (artesanal)
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embalagem: se
estiver escrito pó
de cacau e gordura
vegetal, fuja. Muitos
ingredientes também
indicam um chocolate
de menor qualidade. Os
chocolates de domingo,
aqueles dignos de derreter
na boca devagarinho,
são feitos com massa de
cacau, manteiga de cacau pura,
açúcar, lecitina de soja (que é um
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de chocolates ao leite). A validade é de no máximo 6
meses, pois não contém conservantes. O chocolate de
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informação que geralmente aparece em destaque
no rótulo. Ah, e por serem puros e produzidos em
pequena escala, acabam custando mais caro que os
chocolates industriais. Agora entendo porque era um
prazer tão raro, reservado aos domingos.”
Saudade do Lolo
Por que o chocolate que a Juliana Motter
comia na infância era melhor do que o atual
Bulling
que deu certo
Maria Brigadeiro criou o primeiro
produto gourmet do Brasil
Aos 6 anos, a pequena Juliana Motter era uma
menina que achava que leite condensado era
o tipo de produto que dava em lata. Até que viu a
vó, D. Ignes, fazê-lo, misturando leite e açúcar num
tacho de cobre. Gostou tanto que passou a ganhar
potes de presente que ela usava para fazer os seus
primeiros brigadeiros. Os doces que fazia iam parar em
bandejas que a mãe “superhippie”, conta, comprava numa
feirinha de objetos antigos. E lhe dava, com um recado:
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presentes”. Então lá ia ela para a escola, para as festas,
para a casa de familiares carregando e oferecendo
os doces que fazia. Aí, ouvia: “Lá vem a Maria
Brigadeiro...”, apelido que batizaria a loja que
transformou o brigadeiro no primeiro
produto gourmet do Brasil. “Foi o
bulling que deu certo.”