National Geographic - Portugal - Edição 223 (2019-10)

(Antfer) #1
OUTUBRO 2019

Valpaços, olhamos um mapa estendido sobre uma mesa.
Nele, estão marcados, a cores diferentes, os três percur-
sos da Ecovia: Rio Calvo, Rabaçal Norte e Rabaçal Sul. É
altura, portanto, de irmos finalmente para o terreno.


A PRAIA FLUVIAL DO RABAÇAL é contígua ao parque de
campismo. Nas imediações, o rio alarga por força de
uma pequena represa e as águas são bordejadas por
árvores e vegetação numa margem e por um declive de
areia na outra. O granito mostra-se entre o verde da
paisagem e o verde que o rio adquire quando batido pelo
sol. Em dias de Verão, a praia parece ter um íman,
atraindo com o seu magnetismo todos os visitantes.
Paulo Cortez, docente do Instituto Politécnico de Bra-
gança e especialista em fauna, lembra que não existem
espécies endémicas exclusivas deste rio, mas os valores
de conservação são significativos pela grande diversidade
de espécies faunísticas. Muitas aves de rapina patrulham
os céus. Aves limícolas mostram-se indiferentes aos


turistas e capturam alimento no rio. “O rio gera mobili-
dade”, diz. “Patrulhando para cima e para baixo em função
do volume do caudal, muitas espécies procuram alimento.
Os habitats são diversificados. Habitats mais rochosos,
mais abertos, mais arborizados ou com mais cascalho
definem que espécie melhor se adapta a cada nicho.”
O percurso pedestre mais extenso, de quase vinte
quilómetros, é o do rio Calvo, onde se encontra a aldeia
homónima e o seu ribeiro refrescante. É aqui, segundo
Paulo Cortez, que se podem avistar melros-de-água,
indicadores naturais da qualidade da água ribeirinha, e
também melros-azuis, mais raros nestas paragens, mas
que surgem nos afloramentos graníticos das margens.
Neste percurso, privilegiam-se recursos culturais, encon-
tram-se os moinhos abandonados, muitos lagares esca-
vados na rocha e aldeias perdidas entre vales e montes.
Mas aguarde em silêncio entre a vegetação e verá igual-
mente bútios-vespeiros à cata de larvas em colónias de
vespas e abelhas silvestres, chapins-azuis e muitas outras
espécies de aves em actividade febril.
Em contrapartida, o percurso pelo Rabaçal Norte,
com cerca de treze quilómetros, tem outro ponto forte.
O Rabaçal espartilha-se num vale profundo. Num mira-
douro apetrechado com um monóculo, captam-se por-
menores que passam despercebidos a olho nu.
Um pouco mais adiante, está um dos ex-líbris da Eco-
via: a Via Ferrata. É um troço onde a pulsação cardíaca
acelera. A Via permite aos mais aventureiros treparem a
vertente sobranceira ao rio, em condições de segurança
mas desafiando as vertigens. Perícia, equilíbrio, força de
membros e doses elevadas de adrenalina estão garantidos
e poucos saem do Rabaçal sem passar pela experiência.
Silencioso, o viajante tira por momentos os olhos do
solo e das cordas e concentra-os nos céus. Trás-os-Mon-
tes comporta uma parte importante da população nacio-
nal de águias-de-bonelli e este vale também é propício
para aves rupícolas nocturnas, além de morcegos, mel-
ros-azuis, picanços e algumas espécies de andorinhas.
O terceiro percurso no Rabaçal Sul é, seguramente,
o mais requisitado para os observadores de fauna e,
simultaneamente, de contacto com a agricultura – pas-
tos, vinhas, olivais e amendoais e toda a agricultura de
base preenchem praticamente todas as parcelas dis-
poníveis de terreno. Neste trajecto, o ponto alto é a
praia fluvial de Rio Torto, onde o Torto encontra o
Rabaçal. Aqui, segundo Paulo Cortez, avistam-se coto-
vias, garças-cinzentas, abelharucos, águias-cobreiras,
guarda-rios, melros-de-água e rouxinóis.
Além das mais diversas espécies de aves, é bastante
provável encontrar lontras a deslizarem pela água e a
esconderem-se de intrusos. Paulo Cortez explica que
“o vison, espécie exótica e voraz que também se avista
nesta zona, pode competir com a lontra”. Aos poucos,
os dois pequenos carnívoros colonizaram o território
e impuseram-se na paisagem.
As visitas à Ecovia de Valpaços requerem a consulta
da sinalética e a recolha de informação no centro de
interpretação da praia fluvial do parque de campismo.
O resto faz-se a pé. Enchendo o peito de ar e conhe-
cendo o território embalado pelas águas do rio Rabaçal.
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