OSCELTAS 9
referência aos sítios arqueológicos da Áustria e da
Suíça, respectivamente — mas costumam concor-
dar com o uso da palavra “celtas” como termo ge-
neralista para se referirem a uma civilização que
se estendia da actual Turquia à Hispânia. Mesmo
após o declínio na Europa Central, os celtas flores-
ceram nas Ilhas Britânicas, onde o idioma celta se
tornou dominante.
A actividade comercial dos celtas cobria lon-
gas distâncias. Integraram o conhecimento e os
estilos de vida das culturas do Sul da Europa.
Importavam vinho. Os indivíduos com aspira-
ções sociais talvez exibissem cerâmica etrusca e
outros objectos mediterrâneos simbólicos do es-
tatuto. Criaram uma classe de elite, enterrando
os seus dirigentes em sepulturas extravagantes,
com armas e jóias. Foram construtores magnífi-
cos e erigiram as primeiras cidades a norte dos
Alpes. No entanto, foram o único povo da Euro-
pa Central na Antiguidade que não evoluiu de
maneira a transformar-se num estado.
O seu destino também demonstra de que ma-
neira a falta de cooperação, aliada às mudanças
económicas, pode derrubar uma civilização.
“A análise das tribos celtas, frequentemente ri-
vais, impõe uma comparação com os actuais
para a sua sobrevivência”, interroga-se Gilbert.
“Não iriam deitá-las fora sem uma boa razão.”
O arqueólogo conjectura que os celtas fugiram
para o topo de Le Mormont num momento de
puro desespero – possivelmente todos, excepto
os homens capazes de lutar. A sua situação era
tão irremediável que eles sacrificaram os seus
bens mais importantes e até outros homens
numa súplica pela ajuda dos deuses.
Na altura, aproximadamente no final do século
II a.C, ventos de mudança varriam a Europa Cen-
tral. Grupos de cimbros e teutónicos saqueavam o
território celta correspondente ao Sul da Alema-
nha e à Suíça da actualidade. Roma também teve
de se defender dos intrusos e, simultaneamente,
alargou o seu domínio. Não muito longe de Le
Mormont, uma povoação foi abandonada sensi-
velmente na mesma altura. Teria sido atacada?
“Foi um período dramático, uma autêntica vi-
ragem de época”, resume Gilbert Kaenel. “Assi-
nala o princípio do fim dos celtas.”
SETE SÉCULOS ANTES, precisamente quando o
ferro estava a substituir o bronze como metal mais
importante para o fabrico de armas e ferramentas,
a Europa assistiu ao nascimento desta nova cul-
tura. Os habitantes de uma região que
se estende da Boémia ao Sul da Ale-
manha e à Borgonha desenvolviam
um modo de vida partilhado. Cons-
truíram mamoas, praticaram rituais
semelhantes, retrataram seres huma-
nos e animais na sua arte figurativa e
adornaram as suas roupas com alfine-
tes. É provável que comunicassem
entre si num idioma indo-europeu
comum, embora com dialectos diferentes. E pas-
saram por uma revolução tecnológica que lhes
deu ferramentas como a roda de oleiro e o moinho
manual. Nessa época, a Grécia dominava todo o
Mediterrâneo, com ramificações até ao mar Negro.
Roma era pouco mais do que uma cidade-estado.
Os celtas viviam em comunidades tribais sepa-
radas. Os gregos referiam-se a eles como keltoi, os
romanos chamavam-lhes gauleses. Não sabemos
ao certo se se consideravam uma só comunidade
e se desenvolveram um sentimento identitário.
Historiadores e arqueólogos concordam que os
celtas nunca formaram um império coeso. Muitos
investigadores acreditam que os celtas não existi-
ram como cultura individualizada e preferem re-
ferir-se a uma cultura da Idade do Ferro – frequen-
temente denominada Hallstatt e La Tène, numa
OS CELTAS VIVIAM EM COMUNIDADES
TRIBAIS INDEPENDENTES. NÃO SABEMOS
AO CERTO SE SE CONSIDERAVAM UMA
SÓ COMUNIDADE E SE DESENVOLVERAM
UM SENTIMENTO IDENTITÁRIO.
acontecimentos europeus”, diz a arqueóloga Su-
sanne Sievers. “Muitas pessoas concentram-se
apenas em si próprias, quando, na verdade, as
pessoas são muito mais fortes juntas.”
Estes primeiros celtas não deixaram uma
língua escrita. Para investigar a sua história, é
preciso recorrer a relatos de autores contempo-
râneos, como o historiador grego Heródoto ou o
general romano Júlio César. No entanto, as suas
obras têm frequentemente motivações políticas
e expressam inegável parcialidade. A outra fonte
importante é a arqueologia, que recupera mun-
dos desaparecidos através de ruínas de edifícios,
sepulturas, alterações do solo, cerâmica e ossos.
DIRK KRAUSSE É ARQUEÓLOGO do estado de Ba-
den-Württemberg, no Sudoeste da Alemanha.