MALU GASPAR - Perdido no personagem
Banco Central do Brasil
Jornal O Globo/Nacional - Opinião
quinta-feira, 26 de maio de 2022
Cenário Político-Econômico - Colunistas
Clique aqui para abrir a imagem
Autor: MALU GASPAR
Uma das grandes habilidades de Jair Bolsonaro é tomar
para si o protagonismo na arena política. Sua
especialidade é fabricar brigas para vender a ideia de
que é um herói lutando contra inimigos poderosos: o
establishment, a fraude nas urnas, o comunismo. Uma
vez que a cortina de fumaça distrai o público, ele passa
à próxima guerra - e assim por diante. Na batalha mais
recente, porém, o presidente e seu time parecem
claudicantes. Talvez porque o inimigo, a Petrobras, não
seja um agente externo como o Supremo. Bolsonaro
luta contra uma companhia controlada por seu próprio
governo. À ameaça da alta dos combustíveis não é fake
como a fraude nas urnas. E a solução preferencial do
Planalto -intervir para segurar os preços - já traz a
patente de seu maior adversário na eleição, o PT.
Duas cenas recentes ilustram a conjuntura bizarra. Na
terça-feira, o presidente passou por um constrangimento
ao desabafar a seguidores no cercadinho do Palácio da
Alvorada: -É sempre aquele discurso fácil de salvar, de
ajudar. A gasolina vai voltara R$3 o litro... - reclamou,
para depois arrematar: - No mundo todo é R$ 12, só
aqui que vai voltara R$3?
Os apoiadores entenderam que Bolsonaro baixaria o
preço da gasolina para R$ 3 e começaram a
comemorar, para aflição do presidente:
- Não, espera aí! Espera aí! É o que o cara diz!
O cara, claro, é Lula.
Horas depois, na Suíça, o ministro Paulo Guedes foi
questionado por um empresário sobre as eleições
brasileiras e já foi logo botando o PT na resposta:
-Eles são piores que a gente.
Desqualificar o adversário político faz parte do jogo. O
problema é tentar desqualificar alguém que se tenta
imitar.
Depois de passar três anos se contrapondo aos
governos petistas, professando a fé liberal e
prometendo privatizações, Guedes e Bolsonaro
parecem, de repente, ter descoberto que não gostam
mais do liberalismo. Querem que a Petrobras entube um
prejuízo bilionário segurando (quem sabe, até baixando)
os preços, no momento em que o petróleo está em alta
no mundo todo. Com a demissão do presidente da
companhia, mostraram que estão dispostos a sacar dos
cargos quantos conselheiros e diretores for preciso para
conter a alta e garantir a reeleição.
Até parece que não sabiam que, ao quebrar o
monopólio da empresa no refino e na distribuição dos
combustíveis, abriam mão de poder baixar os preços na
marra. Hoje, como 27% do diesel e 15% da gasolina
que consumimos vêm de fora, fazer isso significa
enfrentar o desabastecimento, já que nenhum operador
privado vai querer importar com prejuízo. Ou, claro,
significa fazer com que a Petrobras traga sozinha todo o
petróleo para abastecer o país, absorvendo um rombo
digno dos tempos de Dilma Rousseff e ainda quebrando
os importadores.