José Henrique Mariante - Embargos de declaração
Banco Central do Brasil
Jornal Folha de S. Paulo/Nacional - Política
Sunday, May 29, 2022
Cenário Político-Econômico - Colunistas
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Autor: José Henrique Mariante
A explicação dada ao jovem repórter, que redigia uma
pequena nota esportiva, era simples ao não explicar
muito: o jornal tem interesse no assunto. A nota,
portanto, estava embargada. Embargada? Sim, alguém
da chefia teria que ler a nota. Pânico. Uma coisa é seu
texto trafegar pelas alamedas conhecidas, outra, bem
diferente, é cruzar avenidas perigosas.
Muitos textos na Folha foram, são e continuarão sendo
embargados porque o jornal tem interesses, mas não
só. Existem questões legais que acarretam grande
responsabilidade a quem publica notícias. Talvez essa
seja a grande diferença entre jornalismo profissional e
aquilo que lembra a atividade nas redes sociais.
O tema é regulado pelo Manual da Redação (págs. 90,
91 e 98). 'O termo 'embargado' é usado na Redação
para qualificar qualquer conteúdo cuja publicação
dependa de autorização da Secretaria de Redação ou
da Direção! Entre os itens de 'consulta obrigatória'
estão: conteúdo que possa pôr em risco a segurança
pública ou a de pessoa ou empresa; contenha acusação
criminal; material obsceno; exponha a vida privada de
personagens; possa incorrer em calúnia, injúria ou
difamação; possa dar margem a processo judicial; não
contemple o outro lado; faça menção a Folha, a seus
profissionais e a outros veículos de comunicação.
Recentemente, por razões que os leitores devem
imaginar, textos que tratam de racismo entraram no rol.
A adição foi tornada pública em reportagem publicada
em 13 de maio sobre a criação do Comitê de Inclusão e
Equidade, grupo de 17 jornalistas que irá atuar dentro
da Redação para promoção da diver sidade. A iniciativa
é um dos frutos da confusão causada pelo texto de
Antônio Risério, em que o antropólogo defendia a
existência de racismo reverso, publicado em janeiro e
recebido com forte reação pública, inclusive dos
jornalistas da casa. Mais de 200 profissionais assinaram
uma carta questionando a publicação de textos de teor
racista pela Folha, episódio já discutido por esta coluna.
Alguns leitores e Demétrio Magnoli, em coluna recente,
refutaram a nova exigência de embargo e o próprio
comitê. Na leitura deles, o jornal adotou 'censura prévia'
e o papel do grupo não estava claro, mas faria parte de
'renúncia ao pluralismo de opiniões, uma violação direta
do Projeto Folha'; segundo o colunista.
Um leitor indagou, via ombudsman, se o jornal daria
resposta institucional ao artigo de Demétrio. Deveria,
pois o texto sugere que os embargos serão do comitê, o
que não é verdade. Consultada, a Secretaria de
Redação diz que não haverá resposta. 'O colunista
externou sua visão, da qual a Direção de Redação
discorda: Acoluna de Demétrio foi embargada. Sempre
é. Não por que há censura prévia, mas porque todos os
textos de opinião são embargados na Folha. É outra
instrução do Manual. As razões para isso são as
listadas cinco parágrafos atrás. O ambiente jornalístico
da Folha é controlado e, até por isso, objeto de justa
crítica, mas chamar isso de censura vai uma longa
distância. Censura seria derrubar um texto em que o
jornal é acusado de praticá-la, por exemplo.