Quem será o auditor dos auditores?
Banco Central do Brasil
Jornal Folha de S. Paulo/Nacional - Tendência e Debates
Sunday, May 29, 2022
Cenário Político-Econômico - Colunistas
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Autor: Walfrido Warde e Valdir Simão
O presidente Jair Bolsonaro (PL) quer que as eleições e
o funcionamento das urnas eletrônicas se submetam a
uma auditoria privada. É um excesso de "zelo
democrático", típico dos campeões da democracia. Não
à toa, essa preocupação recebeu o apoio de setores
das Forças Armadas. Todos querem que o vencedor
seja mesmo o vencedor.
Mas há sempre limites às boas intenções. A lei é, não
raro, um deles. E o bom senso o outro. O país construiu
desde a redemocratização um sólido aparato de
controle. Uma empresa de auditoria privada trabalha
sob todo o tipo de pressões e de influências, mais ou
menos infensas às regras de transparência e de
expurgo de conflitos de interesse que, num Estado
democrático de Direito, impõe-se ao Tribunal Superior
Eleitoral -que é o órgão competente à gestão das
eleições deste ano e de todas as outras que tivemos
desde a superação do regime autocrático instaurado em
1964.
No setor privado, a independência de uma auditoria
forense se garante por regras e estruturas de
governança, a exemplo dos comitês de assessoramento
ao conselho de administração das companhias, com
membros independentes, encarregados de contratar e
de definir o escopo da auditoria. No caso das eleições, a
independência de uma auditoria contratada por quem
tem interesse direto no resultado do pleito, seja o
candidato, sejam seus correligionários, é duvidosa.
A regra que franqueia aos partidos fiscalizar as eleições
não os autoriza alterar os controles de Estado, porque
são controles imparciais e a fiscalização das legendas
é, por excelência, enviesada. Partido fiscaliza para os
seus fins (no seu interesse) e apenas reflexamente no
interesse público. Não se pode satisfazer o interesse
público substituindo-o por interesses particulares. Seria
ilegalidade, ainda que adoçada pelas ótimas intenções
do presidente.
Temos assistido ao excelente papel desempenhado
pela Justiça Eleitoral desde a reinstituição de eleições
diretas no Brasil. Um trabalho contínuo de
especialização tecnológica e de melhoria de controles
inserem o Brasil entre as mais desenvolvidas
democracias eleitorais do planeta. E não é uma
pequena democracia. O país tem dimensões
continentais, graves disparidades socioeconômicas,
superadas a cada eleição sob a excelência do nosso
sistema eleitoral -pelo qual, diga-se de passagem, o
presidente se elegeu em 2018.
Muitos estranharam que o povo tivesse
majoritariamente depositado confiança em Jair
Bolsonaro. Ele não ostentava experiência executiva e
nunca escondeu suas ideias chocantes. Mas nenhuma
voz eloquente aventou que ele tivesse sido eleito por
fraude. O povo o elegeu. Não há dúvidas.
Não vale agora, presidente, por mais que
compactuemos com seu "zelo democrático", porque a
democracia é muito cara para nós, substituir os
controles de Estado pela opinião de uma auditoria
privada, porque nós não sabemos bem, nem mal, quais