Você SA - Edição 248 (2019-01)

(Antfer) #1
VOCÊ S/A wJANEIRO DE 2019 w 47

N


inguém é perfeito
e, convenhamos,
em meio à pres-
são e ao estresse
do dia a dia pro-
fissional, todo
mundo acaba
adotando um
comportamento
questionável de
vez em quando.
Uma palavra
atravessada, uma atitude grosseira,
um gesto impulsivo... Sempre há o
risco de decepcionar alguém e até
se prejudicar, mas, afinal, faz parte
do lado sombrio da personalidade, do
“eu escondido” que todo mundo tem.
Algumas pessoas, porém, demons-
tram uma tendência a agir na sombra
otempo todo. E não é de hoje que
os cientistas se concentram em en-
tender as muitas variáveis de com-
portamento antissocial e os traços
de personalidade marcantes em in-
divíduos que parecem seguir uma
ética particular, em que o próprio
benefício e interesse estão sempre
à frente, nem que para isso seja ne-
cessário passar por cima de alguém
(ou de todo mundo).
Um trio de pesquisadores europeus
divulgou recentemente na revista
oficial da Associação Americana de

Todo mundo tem um lado
obscuro, mas cientistas
europeus descobriram
que algumas pessoas
têm traços que as tornam
bem difíceis de lidar.
Aprenda a identificá-las
e a conviver com elas sem
deixar que prejudiquem
seu bem-estar psicológico
Marcia Di Domenico

Psicologia o resultado de um trabalho
que mostra que, apesar de diferen-
ças de perfil, indivíduos com condu-
tas marcadas por falta de empatia,
egoísmo, manipulação e narcisismo,
entre outras atitudes nocivas (leia
ongredientes Básicosquadro I ),
compartilham uma espécie de ma-
triz malévola, que eles chamaram de
dark core (algo como “núcleo escu-
ro”) da personalidade — ou apenas
fator D. “A ideia básica é que todos
os traços sombrios poderiam ser re-
sumidos em um único elemento — o
fator D —, suficiente para descrever
a tendência individual de colocar a
si mesmo, suas necessidades e seus
interesses em primeiro lugar e ser ca-
paz de tudo para chegar aonde quer,
ainda que isso signifique prejudicar
outras pessoas”, explicou, em entre-
vista a VOCÊ S/A, Morten Moshagen,
professor e pesquisador do Instituto
de Psicologia e Educação da Univer-
sidade de Ulm, na Alemanha, e um
dos autores do estudo. Trocando em
miúdos, em vez de descrever essas
pessoas como egoístas e maquiavé-
licas, por exemplo, seria suficiente
dizer que elas têm D alto (semelhan-
te ao QI alto quando se trata de in-
teligência). Segundo Morten, o D é
justamente uma mistura de vários
ingredientes, “calculado” pela com-
posição de desvios de caráter, desde
os mais “inofensivos”, como narcisis-
mo e egoísmo, até os mais malignos,
como psicopatia e sadismo.

A origem do mal
Todo mundo tem um pouco dessas
características negativas de persona-
lidade. “Muitas vezes é o modo en-
contrado pelo indivíduo para mani-
festar insegurança e medo — de não
ser admirado, de ser desrespeitado
ou de não conseguir o que deseja”,
diz Alexandre Pellaes, fundador da
Ex-Boss, consultoria de modelos e
práticas de gestão. “À medida que
amadurece e aprende a lidar com

a vulnerabilidade e a aceitar ajuda,
oindivíduo passa a entender como
pode controlar essas condutas an-
tissociais.” Os autores do estudo eu-
ropeu suspeitam que de 5% a 10%
das pessoas apresentem níveis pro-
blemáticos de fator D — são aquelas
que chegam ao ponto, por exemplo,
de adotar comportamento violento,
criminoso ou altamente transgressor.
Morten e os colegas insistem que
a pesquisa é recente e ainda há bas-
tante o que investigar sobre como
aplicar na vida real as descobertas
acerca do fator D. Mas deixam claro
que esse conhecimento pode ser útil
no contexto forense (para identifi-
cação de suspeitos e solução de cri-
mes) e em processos seletivos. “Por
meio de um teste de medição, seria
possível identificar candidatos com
propensão a comportamento nocivo
nas empresas, como corrupção e as-
sédio moral”, diz Morten. Os dados
também seriam proveitosos para
criar programas de treinamento e
avaliação de equipes.

Fugindo da sombra
Um dos princípios dessa teoria é que
um sujeito não precisa ter em si todos
ou muitos traços malignos para ser
“diagnosticado” como dono de uma
personalidade sombria. Alguém reco-
nhecido pelos outros como maquia-
vélico, sádico ou maldoso provavel-
mente é assim mesmo. Resta, então,
saber como lidar com ele.
Ainda mais porque os modelos de
gestão conservadores resultaram no
surgimento de uma legião de chefes
D nas empresas. Acostumados a se
impor pelo poder e até pela tirania,
exercem uma liderança construída
sobre a entrega de resultados e com
pouco interesse pelas pessoas. Wil-
ma Dal Col, diretora da consultoria
de gestão ManpowerGroup, comen-
ta que esses tipos devem se tornar
cada vez mais raros e podem estar
fadados ao isolamento. “Pessoas au-

ILUSTRAÇÕES: WEBERSON SANTIAGO
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