Superinteressante - Edição 399 (2019-02)

(Antfer) #1
mais de 2,5 km de profundidade). Por
que precisa ser no gelo? Bem, gelo é
água congelada, e a radiação Cherenkov,
você já sabe, só se manifesta na água.
O IceCube tem o volume de 1 milhão
de piscinas olímpicas – uma para cada
habitante de Maceió. A Antártda é um
dos únicos lugares do mundo em que
há esse tanto de água doce limpa em
um lugar só, sob contole. Como neuti-
nos só muito raramente interagem com
qualquer coisa, é bom que o IceCube
seja bem grande – para captar o maior
número de interações possível.
Os computadores do IceCube con-
seguem calcular de que direção veio o
neutino pela maneira como a radiação
Cherenkov se espalha pelos detecto-
res – da mesma forma que um perito
consegue calcular de onde um assassino
fez um disparo pela maneira como o
projétl peneta na vítma. Você pode
ver essa cicatiz de luz com clareza no
infográfico da página 48. É assim que
dá para saber de que lugar no céu veio
o neutino – e aí acionar um telescó-
pio tadicional para descobrir o que,
exatamente, está acontecendo no céu.

Vários olhos, um céu
Francis Halzen me contou tdo isso
em um escritório vazio do Insttto de
Física (IF) da USP, no campus de São
Paulo. Quando ele entou e acendeu a
luz, a lousa estava cheia de operações
matemátcas cabeludas. “Se te consola,
eu também não faço a menor ideia do
que está escrito”, me disse ele rindo,
com um tapinha no ombro. Hoje, 30
anos após o caso na Antártda, Hal-
zen é chefe do IceCube, que envolve
300 cientstas de 12 países. Ele veio ao
Brasil em outbro de 2018 e passou a
quinta-feira em um teato no IF, con-
versando sobre carreira e ciência com

universitários – um evento chamado
Colóquio Gleb Wataghin. Depois, deu
uma palesta sobre neutinos. Lotou.
O maior tunfo do IceCube, até agora,
foi detectar, em 22 de setembro de 2017,
um neutino de alta energia produzido
por um blazar chamado TXS 0506+056.
Um blazar é o seguinte: acredita-se que
toda galáxia espiral (isto é, em forma de
disco, como a Via Láctea) tenha, em seu
cento, um buraco negro supermassivo.
O buraco negro em si não emite nada –
pelo contário: por causa de sua atação
gravitacional intensa, ele retém tdo, até
a luz. Por isso, é impossível observá-lo.
O que dá para observar é outa coisa:
quando há uma porção de gás e poeira
sendo engolidos pelo buraco negro, eles
começam a girar como a água gira em
torno do ralo. Esse processo gera uma
dose inimaginável de energia – há bla-
zares que brilham com a intensidade
de tilhões de estelas.
Antes de 2017, suspeitava-se que
o TXS 0506+056 deveria existr, pois
havia um fluxo constante de partículas
de alta energia alcançando a Terra de
algum lugar. O problema era saber onde:
as partículas com carga elética, graças
à influência de campos magnétcos, se
desviam pelo caminho. Os neutinos
resolveram a questão: como andam
sempre em linha reta, sem interagir, eles
denunciaram com precisão a posição
do blazar no céu. Esse tpo de astono-
mia – que usa coisas como neutinos
e as famosas ondas gravitacionais para
complementar a atação de um telescó-
pio comum – é chamada “astonomia
de mensageiros múltplos”. E permite
entender o Universo de um jeito que
os telescópios, sozinhos, não conse-
guiriam. Muito bom para coisinhas
tão pequenas que quase não existem.
Às vezes, a melhor forma de chamar a

atenção é passar despercebido. (^) S
100.000.000000.000
neutinos
atavessam
seu corpo
a cada
segundo.
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