pulcral, tocavam-se as “macumbas”.
Distribuíam-se breves para usar jun-
to ao pescoço, cantava-se em língua
africana e, com “o espírito na cabeça”,
Juca caía como morto. Era aí que dava
consultas como “Pai Quibombo”. A
região era infestada de cor-
tiços, casas de fortuna e
prostíbulos. Mas em seu
candomblé eram recebidas
muitas senhoras elegantes,
com quem Juca teve ligações
mais do que espirituais. Se-
dutor e carismático, acabava
por enfeitiçar as próprias
clientes, a quem fazia, se-
gundo algumas, “propostas
indecorosas”.
Foi processado depois de uma de-
núncia anônima enviada à Justiça e
publicada no Diário de Notícias, que
aí viu a possibilidade de monopoli-
zar o tema e multiplicar suas vendas
com uma sucessão de artigos escan-
dalizados.
A curiosidade pública transfor-
mou Juca num “herói de horrores”.
Não faltava quem acusasse: curan-
deiros como ele infestavam a cidade
J
oão Sebastião da Rosa ou Juca
Rosa, “senhor de forças sobrena-
turais”, foi uma das maiores lide-
ranças religiosas na década de 1870.
Ex-praça do Exército, descreviam-no
como um “crioulo entre 36 e 40 anos”,
“de olhos vivos e pene-
trantes”, alfaiate de pro-
fissão, sempre elegante
no trajar, alfabetizado,
cuja mãe africana lhe
legou “um arcano de
dar fortuna”. Aborre-
ceu-se no trabalho e
abraçou a “nefanda
procissão” de feiticeiro.
Sua irmandade ti-
nha cerca de 30 pesso-
as, e Juca se autoproclamava “Pai
Quibombo”. Segundo o jornal Diário
de Notícias, ele extraía ferros e agu-
lhas de ferimentos, preparava medi-
camentos que levavam à sepultura,
se casava com várias mulheres no
“gongá”, batizava seus filhos segun-
do rituais pagãos diante de um ídolo,
o Manipanço, promovia danças eró-
ticas em frente a imagens santas, e as
“filhas que não cumprissem obriga-
ções” pagavam-lhe multas em di-
nheiro. Elas trabalhavam e partici-
pavam das cerimônias descalças e
algumas “nuas” – escandalizava-se
o jornal! A maioria das mulheres era
fanaticamente dedicada a Juca.
Ele era conhecido por “inspirar pai-
xões, tirar o vigor dos indivíduos,
fazê-los adoecer e sucumbir a molés-
tias”. E tudo por dinheiro – rugiam
os articulistas!
O “nigromante” recebia numa vila
situada à Rua do Núncio, depois de
um “banho de ervas cheirosas”, dian-
te de um altar com imagens, castiçais
e salva de prata para receber dinheiro.
Nesse ambiente de luz mortiça e se-
COLUNA Histórias Íntimas
ILUSTRAÇÃO HAFAELL
Sedutor e carismático,
acabava por enfeitiçar
as próprias clientes,
a quem fazia, segundo
algumas, “propostas
indecorosas”.
O LÍDER RELIGIOSO QUE DOMINAVA MULHERES E
HOMENS NO RIO DE JANEIRO IMPERIAL
SENHOR DOS TERREIROS
E DOS CORAÇÕES
56 | AVENTURAS NA HISTÓRIA
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