National Geographic - Portugal - Edição 215 (2019-02)

(Antfer) #1
AÇORES 91

Conhecidos pelo apetite mais piscívoro da
União Europeia, os portugueses consomem cin-
quenta e sete quilogramas de pescado por ano
per capita. São valores astronómicos que colo-
cam o país entre os maiores apreciadores mun-
diais de iguarias do mar, atrás apenas dos japo-
neses e islandeses.
Sem regulamentação e vigilância, uma das
consequências desta procura é a sobreexplora-
ção pesqueira que coloca em risco de extinção
inúmeras espécies marinhas, hipotecando ine-
vitavelmente o respectivo usufruto pelas gera-
ções futuras. Um oceano desprotegido é como
uma floresta onde todos os lenhadores cortam
árvores, mas ninguém volta a plantar.

A


GORA: PODES LARGAR!”, pediu em
voz alta Kyler Abernathy, especialista
de imagem remota, ao seu colega.
Debruçados sobre o flutuador de um semirrígido a
sul de Lajes das Flores, acabavam de lançar borda fora
a terceira esfera com o tamanho de uma bola de bas-
quetebol e aspecto que não destoaria num filme de
ficção científica. Trata-se de uma câmara de profun-
didade inventada pela National Geographic capaz de
operar a seis mil metros de profundidade. É um dis-
positivo autónomo, equipado com iluminação artifi-
cial e programado para registar os segredos do abismo.
As horas de espera pelas surpresas que os car-
tões de memória poderão revelar expõem a ansie-
dade colectiva. “O oceano profundo dos Açores
foi pouco explorado até hoje. Praticamente tudo
o que captamos é informação nova”, contou o in-
vestigador com um sorriso rasgado.
Um dos objetivos do projecto Mares Prístinos é
conseguir uma amostragem-padrão que permita
comparar o mar profundo de qualquer área do
globo. Com esse volume de dados, será possível
não só obter uma ideia das espécies que ocorrem
nos Açores, mas também perceber como se rela-
cionam com os seres vivos de outros locais remo-
tos. Essa filosofia comum foi implementada em
todas as fases da expedição Oceano Azul.
Algumas milhas mais a sul, a água agitava-se
num frenesi provocado por golfinhos-pintados.
Através de cliques e estalidos produzidos por eco-
localização, inspecionavam um cilindro misterioso
que libertava um odor do seu agrado. Tal como nas
câmaras de profundidade ou naquelas que os mer-
gulhadores instalaram em zonas costeiras, os iscos
cumpriram a sua função: despertaram a curiosida-
de dos transeuntes marinhos, forçando-os a revela-
doras selfies. (Continua na pg. 98)

Os meios de exploração
das profundidades foram
revolucionados a partir
do momento em que
o Estado adquiriu
o ROV Luso, capaz
de explorar o oceano
a vários milhares de
metros de profundidade.
Em cima, o momento
solene em que o Luso é
lançado à água para mais
um mergulho de
prospecção.
NUNO SÁ / EXPEDIÇÃO OCEANO AZUL


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