20 de novembro, 2019 53
Contrabando Plenário da Câmara: o texto que abre uma janela para os fichas-sujas ainda será analisado no Congresso
Wilson dias/agência brasil
o valor. Sem trazer elementos de prova
contra outras pessoas, essa lei incentiva
a impunidade e vira uma farra”, afirma o
promotor Silvio Marques, do Ministério
Público de São Paulo, especialista em
casos de improbidade administrativa.
O “libera geral” ensaiado por depu-
tados que discutiram o pacote anticri-
me acendeu a luz de alerta nos tribu-
nais superiores. Caso o texto aprovado
pelo grupo de trabalho entre em vigor,
em tese até mesmo os mensaleiros,
condenados pelo Supremo Tribunal
Federal (STF) há sete anos, poderão
tentar um acordo com o Ministério Pú-
blico nos casos em que respondem a
ações de improbidade. Até hoje trami-
tam processos de ressarcimento aos
cofres públicos contra próceres petistas
como José Dirceu e José Genoino. Esse
último, por exemplo, foi condenado por
corrupção, sua pena foi extinta em
2015 e, com um eventual acordo, ele es-
taria totalmente livre para se candida-
tar a partir de 2023.
Em outros casos de improbidade, o
acordo para encerrar o processo pode
ser ainda mais benéfico ao mau gestor,
como nas situações em que, embora ir-
regulares, não há dano a ser reparado.
Isso ocorre, por exemplo, quando um
prefeito contrata garis ou merendeiras
de forma irregular, mas os serviços são
efetivamente prestados pelos funcioná-
rios. Apesar de teoricamente essa práti-
ca não gerar prejuízo financeiro aos
cofres municipais, os dividendos eleito-
rais para o prefeito são notórios. Com a
aprovação da lei inserida no pacote an-
ticrime, na hipótese mais extrema o
gestor público limparia a ficha sem pre-
cisar devolver um único centavo.
De tão sorrateiro, o texto final do
projeto nem ao menos foi disponibili-
zado a todos os integrantes do cole-
giado. “Essa manobra ocorreu à mi-
nha revelia e à revelia do ministro
Moro”, disse o relator, deputado Capi-
tão Augusto (PL-SP), que não sabe ex-
plicar como o artigo que beneficia os
fichas-sujas foi inserido. Esse tipo de
manobra é conhecido no Congresso
como “jabuti”. Sergio Moro também
não sabia da manobra até ser informa-
do por VEJA. Disse o ministro em no-
ta: “O que foi retirado ou inserido pelo
Comitê formado na Câmara será obje-
to ainda de discussão com o governo e
depois no Plenário. O governo está
trabalhando para aprovar o pacote
anticrime em sua totalidade ou maior
parte”. Cuidado com o jabuti, minis-
tro. Esse morde. ƒ
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