20 de novembro, 2019 57
presentão Lula com Emílio Odebrecht (à dir.): agrado de 1 bilhão de reais
robson ventura/Folhapress
meio bilhão de reais. A hipótese de ca-
lote acendeu o sinal de alerta dos téc-
nicos do banco, que passaram a anali-
sar com lupa os termos do contrato de
financiamento. Eles descobriram, em
suma, que a Caixa havia feito um pés-
simo negócio, sustentado por garan-
tias frágeis e lastreado por fontes de
receita irreais. Um exemplo: somente
com o tour no estádio, o Corinthians
projetou que receberia 1 milhão de vi-
sitantes por ano. Desde a inaugura-
ção, há cinco anos, recebeu pouco
mais de 100 000. Diante do risco de
calote, o banco notificou judicialmen-
te a administradora de que começaria
a executar as garantias. Em última
instância, se os pagamentos não fos-
sem retomados, o estádio poderia ser
até mesmo incorporado pelo banco.
Esse desfecho, curiosamente, não
parece ser uma opção para o palmei-
rense Jair Bolsonaro. O presidente dis-
se a um parlamentar que não quer se
indispor com a segunda maior torcida
do Brasil. Logo depois desse comentá-
rio, a direção da Caixa reabriu as nego-
ciações e estuda uma proposta em con-
dições ainda mais favoráveis ao time
paulista. “Acordo ainda não tem. Va-
mos esperar. Se eles aceitarem o que a
gente quer, tudo bem”, disse a VEJA
Andrés Sanchez, presidente do clube.
Ex-deputado petista, Sanchez, no auge
do impasse, pediu ajuda ao presidente
da Câmara, Rodrigo Maia, para abrir
um canal com a direção do banco. A
intermediação surtiu efeito. A execu-
ção da dívida foi suspensa, e a proposta
apresentada pelo time tramitou rapida-
mente pelas áreas técnicas da Caixa.
Os detalhes são protegidos por sigilo.
Sabe-se, porém, que os novos termos
alongam o prazo de pagamento da dí-
vida por, no mínimo, mais três anos e
admitem como garantia de receita os
recursos obtidos com os naming rights
(o direito de explorar o nome do está-
dio). Assim como no caso do tour de
1 milhão de visitantes, é mais uma pro-
messa de arrecadação futura.
Desde que a arena foi inaugurada,
em 2014, o Corinthians vem penando
para conseguir convencer algum inves-
tidor a aportar cerca de 400 milhões de
reais para associar sua marca ao está-
dio. O problema é que, após a Lava- Jato,
a imagem da arena foi vinculada a histó-
rias de corrupção, desvio de dinheiro
público, ao PT, Lula e a outros persona-
gens envolvidos no escândalo. Até ago-
ra não apareceu nenhuma empresa dis-
posta a pagar essa fortuna para dar seu
nome ao estádio popularmente conheci-
do como Itaquerão. Em sua delação pre-
miada, Marcelo Odebrecht, filho de
Emílio Odebrecht, o patriarca da famí-
lia e dono da empreiteira, confirmou
que o Itaquerão foi construído a partir
de um pedido de Lula no fim do manda-
to dele como presidente da República,
em 2010. “Esse assunto, como ele nas-
ceu? Basicamente, um pedido de Lula
para o meu pai: ‘”, eu tenho o Corin-
thians no coração, ajude o Corinthians a
construir um estádio privadoí.” Emílio,
amigo do então presidente, teria topado
a empreitada sem pestanejar.
O que era para ser um simples pre-
sente virou um tremendo problema.
“Houve um momento em que tentei de-
sistir. Foi logo após saber que a obra,
que era para ser um estádio para
30 000 pessoas, tinha virado um proje-
to para a Copa cujo valor saltou dos
400 milhões de reais para mais de 800
milhões”, disse Marcelo. Para que o
projeto saísse do papel em formato me-
galômano, foi preciso que outras forças
passassem a atuar. A fim de conseguir
o dinheiro extra, o governo da presi-
dente Dilma colocou no circuito a Cai-
xa Econômica Federal e o BNDES.
Com os bancos públicos na retaguar-
da, o custo da obra saltou mais uma
vez ó de 800 milhões para 1 bilhão de
reais. Para completar, a Lava-Jato in-
vestiga se parte desse dinheiro foi des-
viada para pagamentos de propina e fi-
nanciamento de campanhas políticas.
Uma bola fora atrás da outra. Se ne-
nhuma empresa se associar ao projeto
de naming rights, o clube poderia ado-
tar um nome que conta a história da
obra: Arena da Corrupção. ƒ
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