National Geographic - Portugal - Edição 225 (2019-12)

(Antfer) #1

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Era uma visão impressionante: um monte de
ramos e rebentos, com cerca de 2,5 metros de al-
tura e 10,5 metros de largura, revestido por lama
e musgo, erguendo-se no meio de um lago com
águas ao nível da cintura, rodeado por pântanos.
A água fora desviada do rio por uma série de re-
presas. “Todo aquele pântano em redor de Lodge
Mahal é novo”, disse Ken Tape. “Se recuássemos
50 anos, não haveria castores aqui.”
Ken Tape e Michael Wald queriam explorar
o Alatna em parte porque um guia já encontra-
ra madeira mastigada por castores ao longo do
rio Nigu. O Nigu nasce junto do lago Gaedeke, a
nascente do Alatna, mas do outro lado da Divisó-
ria Continental – razão pela qual flui para norte,
rumo ao rio Colville e ao oceano Árctico. Ao longo
do rio Alatna, acima de Lodge Mahal, encontram-
-se outras lagoas e represas abandonadas. Ken crê
que os castores estão a caminho da vertente norte
e que estão a usar o Alatna como rota através da
cordilheira Brooks. “Estamos a assistir a uma ex-
pansão em tempo real”, diz.
Ele não consegue provar que as alterações cli-
máticas provocam esta mudança: a população
de castores tem estado a recuperar desde que o
comércio de peles chegou ao fim, há um século
e meio. De qualquer forma, os “engenheiros” de
dentes fortes poderão reconstruir as paisagens do
solo permanentemente gelado. “Imagine que era
um construtor e pedia autorização para fazer três
represas em metade dos riachos da tundra árcti-
ca”, diz Ken Tape. “Seria este o resultado.”
Ken já viu uma amostra desse resultado. A su-
deste de Shishmaref, na península de Seward,
fotografias de um afluente do rio Serpentine não
mostram qualquer alteração entre 1950 e 1985.
Em 2002, os castores chegaram e inundaram a
paisagem. Em 2012, parte das terras tinha ce-
dido, transformando-se em zonas pantanosas.
O permafrost estava a desaparecer.
Algumas centenas de castores não mudarão o
Árctico, mas estes animais podem estar a dirigir-
-se para norte, para o Canadá e para a Sibéria, e
reproduzem-se depressa. A experiência da Argen-
tina é educativa: em 1946, vinte castores foram
propositadamente introduzidos no Sul para pro-
mover o comércio das peles. A população actual é
de cerca de cem mil animais.


NA VISÃO DA FAMÍLIA ZIMOV sobre o passado e o
futuro do solo permanentemente gelado no Árctico,
os animais selvagens também representam um
papel essencial, mas estamos a falar em animais


maiores do que castores, com efeitos mais benevo-
lentes sobre o permafrost. Na opinião de Serguei
Zimov, as manadas de bisontes, mamutes, cavalos
e renas que vagueavam sobre as estepes do Plisto-
cénico faziam mais do que comer a erva – cuidavam
dela. Fertilizavam-na com os seus dejectos e com-
pactavam-na, calcando musgos e arbustos e
expondo rebentos de árvores.
A partir da última era glaciar, esses prados se-
cos e ricos foram substituídos, na região oriental
da Sibéria, por tundra húmida, dominada por
musgos a norte e florestas a sul. Entre os prin-
cipais actores dessa mudança, segundo Serguei
Zimov, encontram-se os caçadores humanos que
dizimaram as manadas de grandes herbívoros,
há cerca de dez mil anos. Sem herbívoros que fer-
tilizassem o solo, a erva murchou. Sem erva para
absorver a água, o solo tornou-se mais húmido.
Musgos e árvores invadiram a paisagem. No en-
tanto, se os seres humanos não tivessem explo-
rado o ecossistema para lá do ponto de viragem
há milhares de anos, ainda haveria mamutes a
pastar na Sibéria.
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