Dossiê Superinteressante - Edição 398-A (2019-01)

(Antfer) #1
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O movimento pan-africano ajudou


a imaginar o contnente como uma


força em comum – e mobilizou a


luta pela independência.


Em outubro de
1945, 90 repre-
sentantes de
diferentes par-
tes do mundo
se dirigiram a
Manchester, na
Inglaterra, para
debater o ftro
da África. Estava longe de ser a primeira
vez que uma reunião na Europa discu-
ta a vida do contnente vizinho, mas,
agora, os próprios africanos – ou seus
descendentes nascidos em outas partes


  • é que tnham a palavra. Começava ali
    o 5º Congresso Pan-Africano.
    Embora não costme ser muito recor-
    dada fora dos círculos de especialistas,
    essa seria uma das reuniões mais im-
    portantes do século 20, responsável por
    mudar (mais uma vez) os rumos de um
    contnente inteiro. Na cinzenta cidade
    industial britânica, foram defnidas e
    fortalecidas as ideias que levariam ao
    fm da era colonial: nas tês décadas
    seguintes, infamados pelas ideias pan-
    -africanistas, movimentos contários ao
    domínio europeu lutaram e conquis-
    taram a independência em mais de 5 0
    países da África e também do Caribe,


cuja história era profndamente mar-
cada pela escravidão.
Quando essas lideranças negras
de dentro e de fora da África se en-
contaram no congresso de 1945, a 2ª
Guerra mal havia terminado. A Ale-
manha foi derrotada em abril, e o Japão
fnalmente se rendeu em meados de
agosto, após lutar de forma incansável
e ser dobrado pelas bombas atômicas
lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki.
No front europeu, pela segunda vez em
30 anos, africanos saídos das colônias
haviam sido convocados a lutar pela
metópole, em nome da nação que os
dominava. E, assim como ocorrera na
1ª Guerra (1914-1918), os sobreviventes
reencontaram um velho cenário após
o últmo tro de fzil ser disparado: os
africanos até podiam ter a mesma im-
portância do que os brancos na hora de
morrer lutando, mas, na vida cotdiana,
seguiam sendo tatados como cidadãos
de segunda classe.
As guerras eram um duro choque
de realidade para quem nascia nas co-
lônias. Não só os jovens eram alistados
para defender uma nação que muitos
consideravam opressora: chegando
ao Exército, também era comum que

África para


os africanos


texto Maurício Brum

fossem considerados inferiores aos
soldados brancos. Além do precon-
ceito sentdo na pele, os desentendi-
mentos ente as potências europeias
ainda deixavam legados palpáveis na
rotna da África – mesmo que as brigas
dos colonizadores pouco tvessem a
ver com os problemas locais. Após a 1ª
Guerra, por exemplo, grandes pedaços
africanos que pertenciam à derrotada
Alemanha passaram às mãos de países
que venceram o confito, como ocorreu
com os protetorados germânicos de
Camarões e do Togo, divididos ente
franceses e britânicos já na metade do
combate, em 1916.
Na reunião de Manchester, o ob-
jetvo era chamar a atenção para essa
realidade – a África não queria mais
ver, impotente, suas fronteiras e seus
governos mudando pela vontade de
potências distantes. Também queriam
lembrar aos vencedores da guerra que,
enquanto diziam lutar pela liberdade
conta Hitler, eles próprios contnua-
vam cerceando a autonomia de outos
seres humanos não muito longe dali.
“África para os africanos, em casa e no
exterior”, havia bradado o intelectal
jamaicano Marcus Garvey, alguns anos
antes. Agora, com o tauma da guerra
ainda latente e as nações da Europa
enfraquecidas e cheias de dívidas, era
o momento ideal para virar a página do
colonialismo e deixar que os africanos
governassem a si mesmos.

Uma mesma força
Hoje, é fácil pensar na África como
um conjunto de países que, por mais
diferentes que sejam uns dos outos,
guardam forte identfcação ente si.
Mas nem sempre foi assim. A ideia de
nações e contnentes que temos hoje é
uma exportação europeia e, por muito
tempo, o que prevaleceu em solo afri-
cano foram reinos relatvamente au-
tônomos, que não se viam em termos
de mapas e fronteiras, mas a partr da
língua, da religião ou da etnia – ora
colaboravam ente si, ora guerreavam,
escravizavam os rivais e até os vendiam
para os europeus.

Desafios Da liberDaDe 39

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