Público - 01.11.2019

(Ron) #1

16 • Público • Sexta-feira, 1 de Novembro de 2019


SOCIEDADE


Sócrates diz que deu dinheiro a


várias pessoas por solidariedade


No seu quarto dia de interrogatório,
José Sócrates foi confrontado com o
dinheiro vivo que recebia do amigo
Carlos Santos Silva e que usava, não
só em proveito próprio, como tam-
bém para ajudar várias pessoas do
seu círculo mais próximo. Questio-
nado pelo juiz de instrução criminal
Ivo Rosa sobre as razões que o leva-
ram a gastar verbas que continua a
garantir não serem suas em benefí-
cio de terceiros — entre os quais uma
amiga que residia na Suíça, mas tam-
bém a sua mãe —, o ex-primeiro-mi-
nistro não negou que isso realmente
sucedeu. Mas alegou que o fez “por
solidariedade”.
A acusação da Operação Marquês
descreve a forma como o dinheiro
alegadamente proveniente da cor-
rupção e branqueado por Carlos
Santos Silva teve muitas vezes como
destinatários a ex-mulher de José
Sócrates, SoÆa Fava, e os Ælhos de
ambos, o companheiro desta, a ami-
ga que residia na Suíça, a sua secre-
tária e ainda a sua progenitora, que
um dia ligou ao Ælho a queixar-se de
que estava “depenadinha”. Uma
destas amigas, Célia Tavares, chegou
a receber 400 euros mensais do
antigo líder socialista.
“A partir de Outubro de 2012 fez
várias deslocações a Paris para se
encontrar com o arguido, levando
consigo um envelope fechado com
quantias em numerário, envelope
que lhe era entregue por Carlos San-
tos Silva”, refere o Ministério Públi-
co. Ontem, José Sócrates também
não negou que fosse frequente o
empresário da Covilhã entregar-lhe
dinheiro vivo, pessoalmente ou por
interpostas pessoas, entre as quais
o seu motorista João Perna. Mas
garantiu que todo o intrincado
esquema de circulação de verbas foi
sugerido por Carlos Santos Silva, e
visava ocultar o facto de José Sócra-
tes viver, em parte, à sua custa. E
também evitar eventuais rumores
de que o ex-primeiro-ministro anda-
va aÆnal a trabalhar para ele.
Mantendo que todo o dinheiro


Ex-primeiro-ministro diz que pelas suas contas ainda deve 317 mil euros ao amigo Carlos Santos Silva.


Interrogatório foi prorrogado por mais um dia do que o previsto. Continua segunda-feira


no que diz respeito ao aparthotel
em que a ex-mulher e os Ælhos do
casal Æcaram alojados por duas
vezes, e que custava cinco mil euros
mensais. “A decisão de continuar a
assumir este encargo foi tomada
num período em que a conta ban-
cária do arguido tinha saldos nega-
tivos sistemáticos, tendo atingido
um saldo negativo de 8697 euros no
início de Agosto de 2014”, três meses
antes de ser detido no âmbito da
Operação Marquês, pode ler-se ain-
da na acusação.
Como já não houve tempo para
ouvir o antigo governante sobre o
apartamento onde morou em Paris


  • comprado por cerca de três milhões
    por Carlos Santos Silva, mas cujo
    verdadeiro proprietário o Ministério


RODRIGO ANTUNES/LUSA

À saída do quarto dia de interrogatório, o ex-primeiro-ministro disse que estava “preparado para tudo”

Público acredita ser José Sócrates, o
interrogatório não terminou ontem,
como estava previsto. Prolongar-se-
á pelo menos até à próxima segun-
da-feira.
Neste quarto dia de interrogatório
falou-se ainda da compra do Monte
das Margaridas, em Montemor-o-
Novo, por SoÆa Fava, outro imóvel
sobre o qual os procuradores têm
indícios de ter sido também proprie-
dade do ex-primeiro-ministro, até
porque a engenheira do ambiente e
o companheiro não possuiriam ren-
dimentos que lhe permitissem
desembolsar os 760 mil euros que
ele custou.

que lhe fez chegar o empresário, seu
amigo há 40 anos, mais não era do
que empréstimos, o arguido expli-
cou em tribunal que, pelas suas con-
ta, o amigo da Covilhã ter-lhe-á
emprestado um total de 567 mil
euros.
Deste montante, aÆrmou ainda, já
lhe devolveu 250 mil, que conseguiu
com a venda do apartamento que
tinha na Rua Castilho, em Lisboa, e
que lhe rendeu 650 mil euros. Os
procuradores fazem uma contabili-
dade diferente: dizem que Sócrates
terá recebido das contas de Santos
Silva 1,1 milhões, que usou para gas-
tos pessoais.
A vida em Paris foi outro tema que
Ivo Rosa já começou a abordar nes-
te interrogatório, mas ainda apenas

Na altura em que
suportou uma
renda de cinco mil
euros por mês em
Paris, a conta de
José Sócrates tinha
8697 euros
negativos, sustenta
a acusação do
Ministério Público

Operação Marquês


Ana Henriques


e Sónia Trigueirão


[email protected]
[email protected]
Free download pdf