8 • Público • Sexta-feira, 1 de Novembro de 2019
são, aliás, aqueles em
que o Estado se pode
qualiÆcar de
“falhado”, ou seja,
onde o Governo se
encontra numa
situação de total
inoperância e onde as
poucas instituições
públicas, para além
de fracas e
incipientes, estão
capturadas por uma
elite corrupta.
Mesmo na União
Europeia, o país mais
corrupto segundo
este índice é a
Bulgária, onde a
despesa pública é de
35% do PIB, quase 20
pontos percentuais
abaixo da mais
impoluta Finlândia.
O que torna um
país menos corrupto
são leis claras, uma
Professora de Economia na Nova SBE.
Escreve à sexta-feira
Corrupção: não vamos
deixar o André Ventura a falar sozinho!
E
stá neste momento a decorrer a
recolha de assinaturas para uma
petição pela adoção de uma
estratégia nacional contra a
corrupção, uma iniciativa da
Transparência e Integridade. A
petição está disponível online. A
Transparência e Integridade é a
associação cívica que representa
em Portugal a Transparência
Internacional, uma organização dedicada ao
combate contra a corrupção. Escrevi esta
frase para expressar o meu apoio público a
esta petição e reproduzo-a aqui, apelando às
minha leitoras e aos meus leitores para
levarem a sério esta causa: “A corrupção é um
cheque que sai do bolso de todos nós para
entrar no bolso dos corruptos. O combate à
corrupção começa por cada um de nós.
Vamos exigir ao Estado e às empresas mais
transparência, mais prestação de contas,
menos compadrios. Um Portugal menos
corrupto é também mais coeso, menos
desigual, mais próspero e mais democrático.
É urgente uma Estratégia Nacional contra a
Corrupção.”
A corrupção é paga por nós, mesmo
quando não se trata de dinheiro dos nossos
impostos. Quando acontece nas empresas
privadas, não se pode dizer que “isso é lá com
eles”, porque pagamos todos a conta. Sempre
que um contrato com uma empresa
fornecedora ou distribuidora é obtido porque
há pagamentos — que podem ser em dinheiro
ou em favores cruzados —, não são só as
outras empresas que não ganham os
contratos que têm algo a perder. Perdemos
todos nós. Como é evidente, quando uma
empresa escolhe um fornecedor de um
produto porque ele é de melhor qualidade,
ou mais barato, ou ambos, ganham todas as
pessoas que beneÆciam dessa escolha e
criam-se incentivos para as restantes
empresas procurarem produzir com mais
qualidade. Ou seja: toda a sociedade
beneÆcia de contratos limpos, mesmo no
sector privado. Se a seleção de parceiros
comerciais é feita pelas más razões,
perdemos todos.
Ainda que muitos escândalos de corrupção
envolvam o sector público, é importante
sublinhar que a corrupção não se resolve
diminuindo o peso do Estado. Segundo o
Índice de Percepção de Corrupção, publicado
pela Transparência Internacional, os países
menos corruptos do mundo em 2018 eram a
Dinamarca, a Nova Zelândia e a Finlândia.
Estes dois países europeus encontram-se
entre os quatro nos quais o peso da despesa
pública representa mais de metade do PIB, a
par da França e da Bélgica. Os países mais
corruptos do mundo (Somália, Síria, Sudão)
justiça eÆciente e muita transparência. Em
Portugal, falta-nos muita coisa. Para citar
apenas alguns exemplos, os casos de
corrupção mais mediáticos, como o BES ou a
Operação Marquês, arrastam-se na justiça.
Continuamos sem ter acesso fácil às
declarações de rendimento dos titulares de
cargos públicos. O Parlamento decidiu não
regular a atividade dos lobbies, preferindo
Ængir que eles não existem. A Entidade das
Contas e Financiamentos Políticos queixa-se
de falta de meios e aÆrma que para recrutar
as pessoas necessárias para levar a cabo as
funções que lhe incumbem necessitava de
um reforço Ænanceiro de quase um milhão de
euros, num orçamento anual que ascendeu
em 2018 a pouco mais de meio milhão de
euros. O Conselho de Prevenção da
Corrupção tem apenas quatro funcionários.
No meio disto tudo, na quarta-feira foi
André Ventura que trouxe o tema ao debate
do Programa do Governo, ajudado pelo
facto de o debate decorrer em simultâneo
com o interrogatório a José Sócrates, o
ex-primeiro-ministro português que se
encontra no centro de um dos maiores
escândalos de corrupção da história
O que torna um
país menos
corrupto são
leis claras,
uma justiça
eficiente
e muita
transparência.
Em Portugal,
falta-nos muita
coisacoisaa
europeia recente.
António Costa defendeu-se com os louros
de que o pacote legislativo atual data de
quando ele era ministro da Administração
Interna. Acontece que António Costa foi
ministro da Administração Interna há 12
anos. Entretanto, muita coisa mudou. Por
exemplo, Portugal inventou um esquema de
vistos gold que tem sido repetidamente
apontado pelas autoridades europeias e pela
Transparência Internacional como uma porta
aberta a dinheiro sujo. Nos últimos quatro
anos, António Costa foi primeiro-ministro de
Portugal; é extraordinário que um Governo
socialista com o apoio parlamentar da
esquerda tenha conseguido varrer os vistos
gold para debaixo do tapete. Costa rematou
desaÆando André Ventura a contribuir para o
panorama legislativo. Esta atitude de Costa
vai trazer-nos dissabores. A corrupção é um
assunto demasiado sério para a deixarmos
nas mãos de André Ventura. Se continuarmos
a Ængir que ela não é um problema, será
Ventura a rir por Æm. E quem ri melhor...
RUI GAUDÊNCIO
Susana Peralta
ESPAÇO PÚBLICO