Astrid Monsen tinha quarenta e cinco anos e a sua profissão era traduzir
literatura francesa no estúdio do seu apartamento, em Sorgenfrigata. Não
tinha nenhum homem na sua vida, mas tinha uma gravação contínua com o
som de um cão a ladrar que punha a tocar de noite. Harry ouviu os passos dela
e pelo menos três fechaduras a serem destrancadas, antes de a porta se abrir
uma frincha e um rosto pequeno e sardento espreitar por entre caracóis
negros.
– Ugh – exclamou o rosto ao ver a estrutura elevada de Harry.
O rosto podia ser desconhecido, mas Harry sentiu de imediato que já a vira
antes. Possivelmente devido à pormenorizada descrição que Anna fizera da
sua sinistra vizinha.
– Harry Hole, Brigada de Homicídios – disse, mostrando o distintivo. –
Peço desculpa por a incomodar tão tarde. Tenho algumas perguntas para lhe
fazer a respeito da noite em que Anna Bethsen morreu.
Tentou sorrir de modo tranquilizador quando viu que ela estava a ter
problemas em fechar a boca. Pelo canto do olho, Harry viu um movimento
atrás do vidro da porta do vizinho.
– Posso entrar, fru Monsen? Não demoro um minuto.
Astrid Monsen recuou dois passos, e Harry aproveitou a oportunidade para
entrar na casa e fechar a porta atrás de si. Agora conseguia ver todo o seu
cabelo estilo afro. Era óbvio que o pintara de preto, e o cabelo envolvia-lhe a
pequena cabeça branca como um enorme globo.
Pararam em frente um do outro sob a luz fraca do vestíbulo, ao lado de
flores secas e de um cartaz emoldurado do Museu Chagall, em Nice.
– Já me viu antes? – perguntou Harry.
– O que é... que quer dizer?
– Apenas se já me viu antes. Daqui a pouco, falarei do resto.
A boca dela abriu-se e fechou-se. Depois sacudiu firmemente a cabeça.
– Óptimo – disse Harry. – Estava em casa na terça à noite?
Ela assentiu hesitante.
– Viu ou ouviu alguma coisa?
– Nada – disse ela. Demasiado depressa para o gosto de Harry.
– Leve o seu tempo e pense bem – replicou ele a tentar esboçar um sorriso