– Obrigada. – Beate deu uma enorme dentada na sanduíche. – E a parte
acerca de ti e do meu pai está correcta.
– Vivi na Noruega durante toda a minha vida – disse Harry. – Cresci em
Oppsal. Os meus pais eram professores. O meu pai reformou-se e, desde que
a minha mãe morreu, vive como um sonâmbulo que de vez em quando visita
a terra dos vivos. A minha irmã mais nova sente saudades dele. Acho que eu
também. Tenho saudades de ambos. Pensaram que eu ia ser professor. Acho
que eu também. Mas em vez disso foi o Instituto da Polícia. E um pouco de
Direito. Se me perguntasse porque é que me tornei polícia, eu poderia dar-lhe
dez respostas plausíveis, mas nem uma única em que eu acreditasse. Já não
penso nisso. É o meu trabalho, pagam-me, e de vez em quando acho que faço
alguma coisa de bom. Pode viver-se disso durante muito tempo. Antes dos
trinta, já era alcoólico. Talvez ainda antes dos vinte, isso depende do modo
como se vêem as coisas. Dizem que faz parte dos meus genes. É possível.
Quando cresci, descobri que o meu avô de Åndalsnes esteve bêbado todos os
dias durante cinquenta anos. Íamos lá todos os Verões até eu ter feito quinze
anos, e nunca reparei em nada. Infelizmente, não herdei esse talento. Fiz
coisas que não passaram propriamente despercebidas. Em poucas palavras, é
um milagre ainda estar a trabalhar na Polícia.
Harry ergueu os olhos para o letreiro PROIBIDO FUMAR e acendeu um cigarro.
– Anna e eu fomos amantes durante seis semanas. Ela não me amava. Eu
não a amava. Quando acabei, fiz-lhe a ela um favor maior do que fiz a mim.
Ela não o viu dessa maneira.
O outro homem assentiu.
– Amei três mulheres na vida – continuou Harry. – A primeira foi uma
paixão de infância com quem ia casar até que tudo descambou para ambos.
Ela suicidou-se muito depois de eu a ter deixado, e não teve nada a ver
comigo. A segunda foi assassinada por um homem que eu estava a perseguir
do outro lado do globo. O mesmo aconteceu a uma parceira minha, Ellen.
Não sei porquê, mas as mulheres à minha volta morrem. Talvez seja o gene.
– E quanto à terceira mulher?
A terceira mulher. A terceira chave. Harry acariciou as iniciais A. A. e a
ponta da chave que Raskol lhe estendeu sobre a mesa quando ele entrou.
Harry perguntara se era igual àquela que ele recebera, e Raskol anuíra.
Depois pedira a Harry para falar de si.
Agora Raskol estava sentado com os cotovelos pousados na mesa e os