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Lava-Pé
eate só conseguiu aguentar o fedor durante alguns instantes e depois
saiu disparada da casa. Estava dobrada ao meio quando Harry saiu e se sentou
nos degraus a fumar um cigarro.
– Não sentiste o cheiro? – resmungou ela, a saliva a pingar-lhe do nariz e da
boca.
– Disosmia. – Harry contemplou a incandescência do cigarro. – Perda
parcial de cheiro. Há certas coisas que já não consigo cheirar. Aune diz que
foi por cheirar demasiados cadáveres. Traumas emocionais e por aí fora.
Beate voltou a vomitar.
– Peço desculpa – resmungou ela. – Foram as formigas. Quero dizer,
porque é que aquelas criaturas repugnantes tiveram de usar as narinas dele
como uma espécie de auto-estrada de duas faixas?
– Bem, já que insistes, posso dizer-te onde encontrar as fontes de proteínas
mais ricas do corpo humano.
– Não, obrigada.
– Desculpa. – Harry deitou o cigarro para o chão seco. – Aguentaste-te
muito bem ali dentro, Lønn. Não é a mesma coisa dos vídeos. – Levantou-se e
voltou a entrar.
Lev Grette pendia do tecto, de um curto pedaço de corda atado ao gancho
do candeeiro. Pairava um bom meio metro acima do chão e da cadeira caída,
e fora por esse motivo que as moscas tinham gozado do monopólio do
cadáver antes das formigas amarelas, que continuavam o seu cortejo ao longo
da corda.
Beate encontrara o telemóvel com o carregador caído no chão ao lado do
sofá, e disse que era capaz de descobrir quando fora a última vez que ele o
utilizara. Harry dirigiu-se à cozinha e acendeu a luz. Uma barata azul-
metalizada encontrava-se em cima de uma folha A4, a agitar as antenas em
direcção a Harry, e de seguida fez uma retirada rápida para o fogão. Harry
levantou o pedaço de papel. Estava escrito à mão. Ele já lera todo o tipo de
cartas de suicídio e muito poucas eram literatura de qualidade. As famosas