coisas com a mulher. Já ouviste isso, Harry? Bom, eu também.
Não é estranho como a nossa mente fica focada quando o mundo
desaba à nossa volta? Eu sabia o que tinha de fazer ainda antes de
pousar o telefone. Vingança. Primitivo? De modo nenhum. A vingança é
o reflexo do homem que pensa, uma mistura complexa de acção e
consistência, e mais nenhuma espécie animal conseguiu evoluir até esse
ponto. Falando de evolução, a prática da vingança tem-se mostrado tão
eficaz que apenas os mais vingativos entre nós sobrevivem. Vingança ou
morte. Certo, parece o título de um western , mas lembra-te que foi a
lógica da retaliação que criou o Estado Constitucional. A promessa
santificada de olho por olho, o pecador a arder no inferno, ou pelo
menos pendurado da forca. A vingança é a pedra basilar da civilização,
Harry.
Por isso, naquela noite sentei-me a trabalhar num plano.
Planeei-o de um modo simples.
Encomendei à Trioving uma chave para o apartamento de Anna. Não
te vou dizer como. Depois de teres saído do apartamento dela, entrei eu.
Anna já se tinha ido deitar. Ela, a Beretta M92 e eu tivemos uma
conversa longa e elucidativa. Pedi-lhe que procurasse alguma coisa
que Arne Albu lhe tivesse dado – um postal, uma carta, um cartão de
visita, qualquer coisa. O plano era deixar o objecto junto do corpo dela
para que o assassínio pudesse ser associado a ele, mas tudo quanto ela
tinha era uma fotografia da família de Albu no chalé, que Anna lhe
tirara de um álbum. Achei que aquilo poderia ser demasiado críptico e
que talvez precisasses de um pouco de ajuda. Por isso tive uma ideia. O
Signor Beretta ajudou-me a convencê-la a dizer como se entrava no
chalé de Albu. A chave estava no candeeiro exterior.
Depois de a matar – não vou entrar em pormenores já que foi um
anticlímax decepcionante (não houve sinais de medo nem de
arrependimento) – , enfiei a fotografia num dos seus sapatos e parti de
imediato para Larkollen. Plantei – como por esta altura já o deves ter
percebido – a chave sobressalente de Anna no chalé. Pensei em colá-la
ao interior do depósito do autoclismo, esse é o meu lugar favorito, onde
Michael escondeu a arma n’ O Padrinho. Mas é provável que não
tivesses imaginação suficiente para procurar aí e, de qualquer maneira,
não valia a pena. Por isso, guardei-a na mesa-de-cabeceira. Fácil, não
foi?