Aquela foi a primeira vez em que se sentou acompanhada na sua mesa da
Padaria Hansen. A rapariga atrás do balcão lançou-lhe uma espécie de sorriso
cúmplice, como se o homem alto que estava com ela fosse seu acompanhante.
Como ele parecia ter acabado de se levantar, talvez a rapariga até pensasse...
não, não queria estar agora a pensar nisso.
Sentaram-se e ele estendeu-lhe cópias de vários e-mails que queria que ela
lesse. Poderia ela, como escritora, decifrar se tinham sido escritos por um
homem ou por uma mulher? Ela examinou-os. Como escritora, dissera ele.
Deveria contar-lhe a verdade? Levou a chávena aos lábios para que ele não
visse que sorrira ao pensar nisso. Claro que não iria dizer a verdade. Ia mentir.
– É difícil dizer – disse ela. – É uma ficção?
– Sim e não – respondeu Harry. – Pensamos que a pessoa que os escreveu
foi a mesma que matou Anna Bethsen.
– Então deve ser um homem.
Harry estudou a mesa e ela lançou-lhe um olhar rápido. Ele não era
atraente, mas tinha qualquer coisa. Reparara nisso – por mais improvável que
parecesse – assim que o vira caído no patamar, no exterior da sua porta.
Talvez porque tivesse bebido mais um Cointreau do que era habitual, mas
achara que ele parecera pacífico, quase atraente, enquanto estava ali deitado
como um príncipe adormecido que alguém colocara em frente da sua porta. O
conteúdo dos seus bolsos espalhara-se pelas escadas, e ela apanhara os
objectos um a um. Até espreitara para dentro da carteira e encontrara o nome
e a morada.
Harry ergueu os olhos e os dela afastaram-se rapidamente. Poderia ela ter
gostado dele? Claro que sim. O problema é que ele não teria gostado dela.
Agitações histéricas. Medos sem fundamento. O soluçar. Ele não teria gostado
disso. Ele queria mulheres como Anna Bethesen. Como Ramona.
– Tem a certeza de que não a reconhece? – perguntou ele, devagar.
Astrid lançou-lhe um olhar horrorizado. Foi só nessa altura que reparou que
ele segurava uma fotografia. Já lhe mostrara aquela fotografia antes. Uma
mulher e duas crianças numa praia.
– Na noite do homicídio, por exemplo.
– Nunca a vi em toda a minha vida – disse Astrid Monsen firmemente.
A neve recomeçara a cair. Flocos de neve grandes e molhados, que já se
tinham tornado cinzentos e sujos antes de pousarem na terra castanha entre o