Público - 14.10.2019

(Barry) #1
Público • Segunda-feira, 14 de Outubro de 2019 • 11

PEDRO FAZERES

Jerónimo
de Sousa
cruzou-se
com
militantes
idosos na
campanha

de negócios das empresas de todos os
sectores (agrícola, industrial e comér-
cio e serviços) é mais alto do que a
média nacional. Assim como há mais
reformados e beneÆciários de apoios
como o rendimento mínimo garanti-
do e rendimento social de inserção.
A bandeira das creches para todas
as crianças faz sentido no discurso
comunista quando se percebe que
onde a CDU é mais votada há 8%
menos oferta de pré-escolar, de esco-
las básicas e secundárias que a média
nacional e a taxa de retenção no ensi-
no básico é um quinto mais elevada.

Ecologia não pegou
Para além de a aposta na ecologista
Heloísa Apolónia para o distrito de
Leiria se ter revelado gorada — a CDU
teve ali menos 2500 votos do que em
2015 (12.181) —, a verdade é que a coli-
gação também não esteve bem nos
concelhos afectados por incêndios
nos últimos anos. Os melhores resul-
tados da CDU foram conseguidos em
zonas com baixo grau de área ardida
(de 1,3%, quando comparada com a
média nacional de 6,6%), o que deixa
perceber que a mensagem ecologista
contra o eucalipto não surtiu efeito
nas zonas atingidas pelos incêndios.
Apesar disso, no Algarve, a troca de
protagonista a pedido de Paulo Sá
(que reconquistara um deputado
para a CDU em 2011, mas agora queria
voltar à vida académica) por Tiago
Raposo revelou-se infrutífera. A coli-
gação acabou por perder o lugar de
deputado, mas a culpa terá sido de
um aumento enorme da abstenção:
houve mais 25 mil pessoas que não
foram votar do que em 2015.
Já em Braga, a CDU perdeu seis mil
votos, os brancos e nulos aumenta-
ram outro tanto, e o CDS, ao concor-
rer sozinho, roubou-lhe o quarto
lugar de partido mais votado e o
deputado — Carla Cruz não regressa,
por isso, ao Parlamento. No Porto, a
pulverização de partidos (foram mais
seis que em 2015) e o aumento da abs-
tenção representou uma machadada
de 20.700 votos na CDU, que perdeu
um dos três deputados que ali tinha.
A explicação para perda de um depu-
tado por Lisboa é igual, com um cená-
rio ainda pior para a coligação em
termos de votos. E em Setúbal, a CDU
tornou-se a segunda força, ultrapas-
sando o PSD, mas perdeu 17 mil votos
e um deputado.

Às três e meia da madrugada de
segunda-feira, ainda se lambiam as
feridas pelo mau resultado eleitoral
de domingo, a equipa de propagan-
da da Soeiro Pereira Gomes lançava
nas redes sociais um vídeo de pouco
mais de dois minutos a explicar a
“essência” do PCP. “Ontem, depois
de contados os votos, nas TV e jor-
nais Æzeram-se longas análises e
especulações. Sentenciaram tudo o
que havia para sentenciar. Só não
explicaram aquilo que nunca irão
perceber. Não explicaram como é
que há um partido que não se ilude
nem deprime com eleições e que
mesmo depois de desligados os
holofotes e as câmaras está, nas
horas seguintes, à porta da tua
empresa, no teu bairro, na tua esco-
la, com o mesmo empenho, a mes-
ma determinação, a lutar ao teu
lado”, ouve-se no início.
“É uma mensagem para levantar
o moral? Não, é para recentrar” o
foco da acção do partido. É para
passar a ideia de que não é um mau
resultado nas eleições que deita os
comunistas abaixo ou que os tirará
da rua ou da porta da empresa, des-
creve Carina Castro, uma das res-
ponsáveis pelas redes sociais do PCP
e membro do Comité Central.
O vídeo intitula-se “Lutar, inter-
vir, avançar: Nós somos o PCP” —
que se adivinha a nova “assinatura”
do partido para esta legislatura — e
a narradora é a actriz Joana Manuel.
Tem um tratamento cuidado de
imagem, som e mensagem, e assu-
me uma linha moderna de propa-
ganda política que não é habitual
entre os comunistas. Estes costu-
mam preferir, nos tempos de antena
e nos vídeos que partilham nas
redes sociais, imagens das caras
mais conhecidas do partido, como
Jerónimo de Sousa, João Ferreira ou
Rita Rato, e dos grandes eventos
como a Festa do Avante!, manifes-
tações e arruadas.
Desta vez, há uma preocupação
de chegar à consciência do especta-

Maria Lopes


A mensagem
ecologista contra

o eucalipto não


surtiu efeito nas


zonas do país
atingidas pelos

incêndios


“O partido é muito mais


do que a batalha eleitoral”


[email protected]

temos é menos força” para intervir
politicamente no Parlamento, argu-
menta Carina Castro.
Apesar da notória evolução na
forma de passar a mensagem,
ambos garantem que não houve
qualquer preparação especial, input
de agência de marketing ou sequer
formação especíÆca. “O vídeo foi
pensado no último dia de campanha
eleitoral”, diz Diogo. Ou seja, na
Soeiro já se antecipava um resultado
pouco auspicioso, embora os comu-
nistas gostem de, até ao Æm, desva-
lorizar as sondagens.
“Havia todo um tom externo ao
partido, que já não é desta campa-
nha mas vem das europeias e das
autárquicas, de quebra. Era impor-
tante que houvesse algo que contra-
riasse esse cerco”, justiÆca Carina,
que é também membro do Comité
Central do PCP.
Apesar de ter sido o primeiro par-
tido português a ter website , a cami-
nhada digital do PCP foi feita sem-
pre com muita cautela. Nas redes
sociais, os passos têm sido lentos,
mas em ano de duas eleições, houve
um esforço no Facebook e a CDU
estreou-se no Instagram e no
Whatsapp.
Diogo Vasconcelos recorda que
nas europeias Æzeram um vídeo
sobre “como se constrói uma cam-
panha para lá dos candidatos” como
forma de agradecer aos militantes
que a fazem. “É dar-lhes rosto e pal-
co.” A que se somaram, nos últimos
meses, vídeos de testemunhos sobre
a mudança provocada pela “gerin-
gonça” na vida de algumas pessoas
— da jovem mãe aos trabalhadores
de call center —, ou sobre os murais
pintados na campanha, e outros de
candidatos.
Há também um quiz “Achas que
sabes tudo sobre os partidos?”, com
perguntas sobre medidas e declara-
ções políticas, que pretende “des-
mistiÆcar” algumas ideias sobre o
trabalho do PCP e do PEV. O conteú-
do mais recente tenta explicar por
que o PCP não assina entendimen-
tos com o PS: “Papel? Não sejas
Cavaco.”

dor, mostrando um partido que não
desiste, que está sempre onde os
trabalhadores estão, que está com
as pessoas independentemente de
a campanha eleitoral ter terminado
há dois dias e de a contagem dos
votos estar encerrada há algumas
horas, justiÆca Carina Castro.
O objectivo assumido é passar a
“ideia de que o partido é muito mais
do que a batalha eleitoral”, vinca.
“Há uma componente emotiva que
é relevante”, admite. E Diogo Vas-
concelos, também do departamen-
to de propaganda, acrescenta: “O
relato mais ou menos cru do partido
funciona como catalisador emocio-
nal.” Ou seja, quem olha para as
imagens de trabalhadores à entrada
da fábrica ao nascer do sol a recebe-
rem folhetos das mãos de militantes
recebe a mensagem de que os comu-
nistas estão com eles todos os dias.
“Não ignoramos que saímos em
piores condições [das legislativas],
mas a intervenção social, política e
no quotidiano das pessoas vai tão
para lá disso [do resultado eleito-
ral], que não vamos deixar de ir às
empresas, aos transportes públicos,
aos CTT, por termos menos deputa-
dos. Não vamos deixar de estar lá;

agudizar-se com a perda dos “bas-
tiões do poder local, que são funda-
mentais para manter eleitorado”, que
têm ido para o PS, ou com o aumento
da abstenção.
Olhando para outros indicadores,
a coligação de esquerda, que assenta
o discurso na defesa dos trabalhado-
res e aumento de salários, acaba por
ter mais votos em concelhos onde o
poder de compra per capita é 14,2%
superior à média nacional, o ganho
médio dos trabalhadores por conta
de outrem é também mais alto (1269,
euros em comparação com a média
nacional de 1108,56), e a disparidade
salarial entre homens e mulheres
assim como entre proÆssões (ou seja,
com maiores desigualdades) é tam-
bém mais elevada do que no total do
país. E é também nos concelhos em
que tem melhor votação que há mais
trabalhadores imigrantes e o volume


“É uma mensagem


para levantar o
moral? Não, é para

recentrar” o foco


da acção do


partido. É para
passar a ideia de

que não é um mau


resultado nas


eleições que deita
os comunistas

abaixo ou que os


tirará da rua ou da


empresa, descreve
Carina Castro
Free download pdf