Público - 14.10.2019

(Barry) #1
Público • Segunda-feira, 14 de Outubro de 2019 • 5

NAITA USSENE/EPA

à Frelimo: se você tem o
primeiro-ministro [Carlos
Agostinho do Rosário] a fazer
campanha, com alojamento,
passagens aéreas, assessores, tudo
pago pelo Estado, isso é
Ænanciamento indirecto. Quase
todos os ministros participaram na
campanha e isso signiÆca
movimentar toda a logística do
Estado, entre seguranças,
assistentes.
E foi uma campanha marcada
por muitas mortes?

Foi uma campanha mortífera.
Foram 44 mortos em 43 dias de
campanha — em média, uma
pessoa morreu em cada dia de
campanha eleitoral. Seja por
acidente de viação, por
irresponsabilidade no transporte
das pessoas, seja por assassínio. É
interessante notar que todos os
que morreram em acidentes de
viação estavam na campanha da
Frelimo, porque goza de
imunidade perante a lei. Em
relação à oposição, tivemos reports
de que as pessoas eram mandadas
soprar no balão para ver se os
condutores tinham bebido ou não,
enquanto os da Frelimo podiam
fazer e desfazer como queriam.


poderoso do que Dhlakama.
Enquanto de Nyusi, da Frelimo,
que não é um antigo combatente,
se esperava que fosse um pouco
mais moderado, mas não foi o que
se viu. Portanto, pelo menos em
termos de violência, a transição
não aconteceu.
Houve da parte da direcção dos
partidos ordens para uso da
violência ou isso aconteceu em
termos locais?
No nosso entendimento, a ordem
que vem da central não é
detalhada, é apenas uma ordem
para diÆcultar a vida deles
naquelas zonas. O apoio que houve
foi indirecto, de silêncio cúmplice.
Na morte do observador
eleitoral Anastácio Matavel, em
Xai-Xai, capital da província de
Gaza, assassinado a tiro por
agentes da polícia, falou-se que
os esquadrões da morte na
polícia continuam a funcionar.
Essa morte tem um padrão que
não é novo. Um civil que está a
dirigir um processo-chave ou que
acaba de fazer declarações
políticas é sequestrado ou
assassinado à luz do dia. Podemos
falar de cinco casos exemplares
deste padrão. Primeiro, temos o
caso do professor Gilles Cistac, o
mais respeitado constitucionalista
em Moçambique, que numa altura
de activismo político muito forte
na defesa da descentralização foi
assassinado, isto dois dias depois
de dar uma grande entrevista
sobre o assunto. Temos também o
caso do português Américo
Sebastião, que é sabido que
apoiava logisticamente a Renamo.
A seguir, temos o Ericino de
Salema, que foi sequestrado e
torturado depois de fazer críticas
severas à indisciplina do Ælho do
Presidente da República. Depois
foi o professor Jaime Macuane,
sequestrado e torturado por
pessoas que exibiram distintivos
da polícia, após ter dito num
programa de televisão, em que era
comentador residente com o
Ericino de Salema, que o modelo
de governação da Frelimo estava
esgotado. E, por Æm, há o caso de
Jeremias Pondeca, membro do
Conselho de Estado pela Renamo,
assassinado em plena marginal
quando fazia ginástica. Em todos
os casos, os autores nunca foram
encontrados. E agora foi o

Anastácio Matavel. Pela primeira
vez, as pessoas que cometeram o
crime foram encontradas, mas
porque tiveram um acidente de
viação. E com isso soube-se que foi
um assassínio político, cometido
por polícias da elite, do grupo de
operações especiais, que
normalmente recebem ordens da
mais alta direcção da polícia. Tudo
indica que foi morto por
esquadrões da morte, que só
atacam pessoas com activismo
político muito forte. E o Anastácio
Matavel era o coordenador da
observação eleitoral independente
em Gaza, onde o grande desaÆo da
sociedade civil é mostrar que
aqueles 300 mil eleitores a mais no
recenseamento não existem.
Estas são as primeiras eleições
em que os governadores das
províncias são escolhidos nas
urnas e não nomeados pelo
Governo. Isso mudou a
dinâmica da campanha?
Mudou, pela primeira vez as
pessoas vão eleger o seu
governador, o que obrigou a
Frelimo a investir nas pessoas
locais. Um exemplo muito
concreto, o governador de Cabo
Delgado é Júlio Parruque, daqui da
Matola [capital da província de
Maputo], que foi mandado para
um mundo que ele desconhecia
completamente e que o mundo de
lá também não conhecia. Agora, a
Frelimo teve de apostar numa
pessoa de lá [neste caso, Valige

Tauabo]. Na maioria das eleições,
a Renamo teve sempre mais votos
nas províncias do Norte e Centro,
com excepção de Cabo Delgado,
enquanto a Frelimo ganha em
Cabo Delgado e nas três províncias
do Sul. Será uma grande derrota
para a Frelimo se, mesmo com
maioria no Parlamento, perder o
governo dessas seis províncias. Por
isso é que o candidato presidencial
da Frelimo foi mais de uma vez a
quase todas as províncias do
Centro e Norte. E só foi uma vez a
Gaza e a Inhambane, onde a vitória
está praticamente garantida.
São 27 partidos e mais duas
coligações a concorrer a estas
eleições, mas não se vê quase
propaganda nenhuma da maior
parte deles. Há falta de
cobertura mediática dos
pequenos partidos?
Melhorou muito, pelo menos
podemos falar de cinco partidos,
Frelimo, Renamo e MDM, que têm
assento parlamentar, e de dois
pequenos partidos, a Nova
Democracia (ND), muito visível em
Gaza, e a AMUSI, partido novo
muito visível em Nampula
[liderado pelo quarto candidato
presidencial na corrida, Mário
Albino]. É uma melhoria, porque
Moçambique era uma democracia
multipartidária no papel, mas
bipartidária na prática. E todos os
partidos pequenos que tentavam
aparecer eram espezinhados pelos
grandes ou cooptados. A primeira
vez que se quebrou a hegemonia
vermelha e verde foi com a entrada
do MDM, que nasceu a nível local e
cresceu para nível nacional. E
agora temos dois partidos que
podem seguir a mesma tendência.
O AMUSI pode ter pelo menos um
assento no Parlamento e a ND um
ou dois deputados. O ambiente
político em Moçambique é muito
difícil para o surgimento e
crescimento de novos partidos,
porque não se discutem ideias,
discutem-se aÆnidades baseadas
na identidade étnica ou cultural ou
só porque já tem muitos apoiantes.
E porque continua a haver
tantos partidos?
Esses partidos não existem.
Aparecem porque há
Ænanciamento do Estado, recebem
o seu quinhãozinho e vão embora.

[email protected]

Foi uma campanha


mortífera. Foram 44


mortos em 43 dias


de campanha — em


média, uma pessoa


morreu em cada dia


de campanha


eleitoral


Dos 44 mortos — e temos a
informação de todos os casos, um a
um —, sete foram por assassínio.
Em Pambarra, Vilankulo,
ameaçaram o secretário da
Renamo para remover as bandeiras
do partido da sua casa e, como não
o fez, foi esfaqueado. Também
tivemos casos de pessoas
sequestradas, desaparecidas — em
Manica, um casal de apoiantes da
Renamo recebeu a visita do
administrador distrital e fechou-lhe
a porta e na mesma noite sumiram
e não reapareceram até hoje.
Em comparação com as eleições
gerais de 2014, estas foram mais
violentas?
Pelo menos quanto ao número de
ocorrências, estas foram mais
violentas. A violência desta
destaca-se porque estamos numa
fase de transição de líderes
históricos nos dois principais
partidos. Em 2014, o Governo
ainda era de Armando Guebuza,
antigo combatente, arrogante; do
outro lado, tínhamos Afonso
Dhlakama, um líder ditador que
controlava o partido e a ala militar.
Nestas eleições, a Renamo está sob
nova liderança, Ossufo Momade,
que é, supostamente, menos
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