Novas Lendas Orientais

(Carla ScalaEjcveS) #1

inebriando-me suavemente, o kist^15 delicioso que se exalara de seus
formosos cabelos.


— Além desse caso, puramente sentimental — volveu o rei, com
inalterável severidade no olhar —, há ainda outro problema, não menos
importante, relacionado com a tua estada sob o céu de Sião. Como sabes,
temos aqui, nesta adorável Bangcoc ( Krungthepha-maha ...),^16 vivendo nos
klongs ,^17 entre os palácios, à sombra dos prangs^18 e nos barcos que enxameiam
o Menam,^19 mais de cinquenta mil muçulmanos. São os crentes de Alá,
homens que seguem fielmente os ensinamentos de Maomé e que oram em
voz alta ao nascer do sol, repetindo as palavras do Alcorão. O povo siamês
está, porém, secularmente vinculado à doutrina budista. A presença dessa
massa de maometanos constitui, nesta incomparável cidade, uma
excrescência prejudicial ao desenvolvimento espiritual do povo. Pretendo,
portanto, encarregar-te de falar aos teus irmãos (irmãos na fé muçulmana) e
convertê-los da verdade pregada pelo extraordinário e inexcedível iluminado
Siddartha Gautama.^20 Auxiliado por hábeis catequistas, empregarás todos os
recursos de tua inteligência, todos os argumentos da tua eloquência, no
sentido de chamar os agitados islamitas^21 para o mundo tranquilo e
consolador do budismo.


Surpreendeu-me aquela sugestão absurda, disparatada, do rei. Acreditar
que um muçulmano (tal era o meu caso) fosse percorrer os canais, os
barcos-casas, as vivendas de Bangcoc, fazendo o proselitismo budista.
Iallah!^22 Que ingenuidade! Medindo as palavras, com cautela para não o
ofender, fiz sentir ao generoso monarca o meu desapoio àquele inominável
disparate. Acrescia, no caso, uma particularidade de alta relevância. O Sião
era apontado, ao mundo, como o “país dos homens livres”. Como admitir
que fosse abolida, dentro de suas fronteiras, a liberdade de crença? Quando
o homem é livre e vive num país de homens livres, pode ser budista,
muçulmano, cristão, israelita ou ateu, uma vez que viva dentro da lei, viva
com honra e do seu trabalho. Da intolerância surgem as discórdias; as
discórdias fazem nascer as guerras. E a guerra é a perdição do rei, é a miséria
do povo. E depois (argumentei), se os muçulmanos de Bangcoc, surdos aos
catequistas, escudados pelos seus dogmas, permanecerem fiéis ao Islã?^23 Que
faria, nesse caso, o rei do Sião?

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