— Ora, ora, por Alá! — respondeu Mosab com um sorriso de intenso
orgulho. — Tenho amigos, e bons amigos, por toda parte. Desde a mesquita
até o mercado. Entre ricos e pobres, sábios e ignorantes, conto com centenas
e centenas de legítimos e verdadeiros amigos! Ainda ontem, ao cair da
tarde...
— Muito bem — acudiu o rei, interrompendo-o, naqueles rodeios, com
bom humor. — As boas amizades formam os alicerces da verdadeira
felicidade. Já ouvi, de um poeta do deserto, esta sentença: “Se os amigos me
fugirem, é bem certo, de mim fugirão todos os tesouros.” Passemos, agora, à
segunda pergunta, que reputo muito grave: Tens , meu caro taleb e, inimigos entre
os muçulmanos?
— Oh, não! — protestou Mosab, com veemência, esforçando-se por ser
claro e decidido. — Desconheço o que seja um desafeto. Inimigos? Creio
que nunca os tive. Esforço-me por desfazer as intrigas, os mal-entendidos;
não me incomodo com os mexericos e sou surdo às insinuações malévolas.
Tenho, por norma, esquecer as ofensas e perdoar as injúrias. Assim
procedendo, transformo as malquerenças em afeições; os ódios, em
indiferenças; as aversões, em estimas. Eis a minha confissão: não tenho
inimigos, ó rei do tempo!
— Se assim é — declarou, sem detença, com reprovadora frieza, o califa
—, lamento muito, mas não poderás ser nomeado grão-vizir. Seria
realmente absurdo que o chefe do meu governo, o primeiro-ministro do
Islã, fosse um homem neutro na vida, sem o menor traço de caráter,
destituído de qualquer paixão política, sem fibra, sem partido, aviltado pela
fraqueza, falho de sentimentos. Todo aquele que possui uma parcela
diminuta de personalidade vê logo aparecer, a seu lado, a sombra tortuosa de
um inimigo.
E como o bom e ingênuo talebe, olhos em terra, se mostrasse sucumbido
diante daquele inesperado desfecho, o califa retornou, num gesto largo,
indefinido, tornando-se taciturno:
— Observa, ilustre Mosab, o meu caso, por exemplo. Sou o rei, o
sucessor de Marwan, o glorioso (que o Eterno o tenha em sua paz!). Pois
bem, tenho inimigos cruéis, impiedosos, dentro e fora das terras árabes! Mas
vamos adiante: Maomé, o Clarividente Profeta, o Enviado de Deus, teve