ter as notícias prontas, mas nada se traduz em letra impressa. Dizem-lhe do
Diário da Manhã : «Não veio ordem para se publicar o seu comunicado.»
Gonçalves Rapazote, ministro do Interior, com responsabilidades pela PIDE,
desabafa diante do médico pessoal de Salazar, de Maria de Jesus e do
banqueiro Manuel Espírito Santo: «São coisas do Moreira Baptista», justifica,
referindo-se ao subsecretário de Estado da Presidência do Conselho e secretário
de Estado de Informação e Turismo. «Dá-me sempre a impressão de que tem os
neurónios untados de sebo», ironiza Rapazote.
Enquanto isso, é imposta por Belém ao médico assistente uma segunda visita
de Houston Merritt, neurologista norte-americano, para observar Salazar.
Contrariado, Eduardo Coelho cede ao «interrogatório», que inclui os membros
da equipa médica com quem entrara em conflito. O doente aguenta 70 minutos
de perguntas, algumas das quais sobre política internacional. Fala do Médio
Oriente, do Vietname e do presidente dos EUA, Eisenhower.
Mas há também um desfile de respostas vagas, ao jeito de «não sei» ou «não
conheço», sobretudo em temas de maior atualidade. «Não há direito de vir um
homem “tão eminente” da América e fazer-me perguntas para as quais eu não
estava preparado. Isto poderia até provocar implicações políticas», comenta
Salazar ao amigo Bissaya Barreto, antigo professor de Eduardo Coelho em
Coimbra.
Este vê nas palavras do seu doente um «avivar das faculdades críticas». Para
ele, «é digna de nota a ironia cortante, esmagadora, com que Salazar comenta
certos eventos e visitas que recebe. E o sorriso com que liquida atitudes
ridículas». Enfim, resume, «autênticos fantoches diante de um homem
superior».
O antigo chefe do Governo, porém, encerra-se em angústias, estampadas no
rosto. «Posso saber por que é que o Senhor Presidente está tão triste?»,
pergunta uma enfermeira. «Porque sinto que já não posso trabalhar como eu
desejava», lamenta-se Salazar.
Entretanto, é divulgado o relatório do norte-americano Merritt. Saíra de
Lisboa «impressionado» com as melhoras do doente. Mas o diagnóstico reforça
a sentença que já todos conhecem, embora alguns ainda recusem as evidências:
«A memória para os factos ocorridos antes do traumatismo craniano é boa, mas
está perdida para os que se verificaram durante o período mais grave da doença
e é deficiente em relação aos factos recentes», escreve o neurocirurgião sobre
Salazar. «É possível que se verifiquem melhoras nos próximos meses, mas a
sua idade é um fator que impede um completo regresso à normalidade.»
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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