Um ministro vai a São Bento pedir autorização a Salazar para viajar até
Londres. Maria está à cabeceira do ditador, deitado na cama. Encosta a cabeça
ao seu ouvido e repete a pergunta do ministro. O doente não responde, nem um
lábio mexe. «Vossa Excelência pode ir, o senhor doutor autoriza», responde a
companheira de décadas, mantendo a farsa.
A governanta tenta dar sinais a Salazar, nas entrelinhas.
Convencê-lo a «deixar o cargo», aproveitar o tempo no Forte de Santo
António do Estoril e depois rumar de vez a Santa Comba, «tratar-se e
descansar». Salazar escuta as palavras de Maria como se nada fosse. «Quem é
que virá para o meu lugar? Quem é que o chefe do Estado iria encontrar?»,
interroga-se.
No seu mundo, ainda governa.
Mas outros tentam precaver o inevitável.
A 14 de maio, pelas seis da tarde, Costa Brochado aparece na residência
oficial para falar com a governanta. Quer saber se está tudo bem, se precisa de
algo. Maria não contém o choro, agarrando as mãos do secretário-geral da
Assembleia Nacional, que pergunta pelos «diários» de Salazar e os papéis
particulares.
A governanta havia tido uma conversa a respeito desses assuntos com o
Presidente da República. O encontro correra mal. O almirante Américo Tomás
aconselhara Maria a deixar sair os papéis de casa, não fossem eles desaparecer.
Ela discordara: afinal, justificou, se o palacete esteve guardado, e bem, pela
polícia, durante décadas, bastaria manter tudo como estava. «Ora a minha vida!
O que me havia de acontecer!», reagirá o chefe do Estado, pondo-se a caminhar
para trás e para diante na sala. «Nem aos piores inimigos eu desejaria que
acontecesse o que agora me acontece a mim», lastimara, virando-se depois para
a «patroa» de São Bento. «Olhe, faça o que quiser... pois fique lá com os
papéis». E fim de conversa.
Na sequência do episódio, Maria mandou substituir as chaves do arquivo,
prevenindo a eventualidade de serem usadas outras, sem o seu conhecimento,
existentes na secretaria da Presidência do Conselho. Costa Brochado, esse,
recomendara que guardasse os papéis particulares de Salazar, afastando-os de
olhares curiosos. Em caso de aflição, deveria aconselhar-se com Cerejeira.
«Não pode confiar em mais ninguém», advertiu-a. O dirigente aproveitaria a
visita para cumprimentar Salazar, mas este confundira-o com o ministro do
Interior. Corrigido pela governanta e pelo próprio, o doente desculpara-se.
«Olha os meus olhos! Se tivesse ouvido a voz, logo o reconheceria...»
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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