Costa Brochado ainda não sabe, mas nunca mais voltará a vê-los.
No jardim, a caminho da rua, encontrara o motorista Furtado, de quem
tentara obter eco de alguma esperança. «Encontrei o Senhor Presidente melhor
do que supunha», deixara cair, ansiando pela reação do interlocutor. «Não se
iluda, senhor diretor! Ele mija na cama e borra-se todo!», esclarecera,
imperativo, o motorista.
Nos meses seguintes, Salazar continuará protegido, numa redoma.
Resguardado de indiscrições, mimado pelos íntimos, confortado nos bons e
maus momentos. Maria de Jesus massaja-lhe os pés, que lhe doem com
frequência. «É preciso que venha o calista para o tratar», sugere ela. «Mas que
eu esteja bem sentado», resmunga ele. «Não numa cadeira como a outra da
qual caí...»
Micas visita-o, promete voltar: «Vem sempre porque daqui a pouco já não
me encontras.»
Maria é pressionada por amigos e conhecidos a desvendar o que o doente
ainda não sabe. Chorosa, descarta-se: o assunto não é da sua competência, que
o faça quem pode e manda, insinua.
Mas o deslize de uma terapeuta em São Bento sobre o afastamento de
Salazar do Governo, deixa-o de rastos. Segue-se uma madrugada às claras,
péssima, com o ditador em «grande sofrimento» e «grande tristeza», segundo
Eduardo Coelho.
O estado em que o ditador se encontra atira para o limbo preocupações
comezinhas, que tanto o apoquentavam. Lacunas que, nele, não seriam
admissíveis num estado normal.
Desde que fora internado, Salazar deixara, por exemplo, de entregar à
governanta dinheiro para as despesas da casa e pagamento dos ordenados ao
pessoal. Nem se lembrava de tal. Maria tentara por vezes desafiá-lo a fazer
contas, coisa que ele prometera resolver «logo que pudesse ir para o
escritório».
Perante as insistências, Salazar recordara, entretanto, a existência de uma
pasta verde, guardada numa das gavetas do seu escritório improvisado no Forte
de Santo António do Estoril. Quando a procura, Maria encontra dinheiro dentro
de um envelope.
Os lampejos de Salazar têm dias.
Na sua cabeça, baila por vezes o desconforto por não se ver a trabalhar. Mas